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Mostrando postagens de fevereiro, 2021

carvalhos

  quando eu voltar   quando eu voltar a mim e avançar até você —  ralando a derme até que os nervos, os nervos necrosem em ressonância e eu não sentir mais a fincada quando eu recuperar meu corpo aos miúdos e miolos  os olhos parecem ter sido os primeiros arrancados — um descanso da paisagem lúgubre em túnel  e dizem que meus lábios permanecem no rosto,  mas grotescamente selados com linha de pesca e deixaram os dentes pois que eu só mordia a mim mesma gentilmente espetadas numa árvore  impedidas de agredir  descansam minhas mãos  independentes meu pescoço aberto aos céus  o coração foi drenado e permaneceu em paz  tal qual um fantasma perolado, um cristal translúcido raro em bandeja metálica servido destacaram com precisão a orquídea  plantada entre as coxas para que eu não sentisse mais dor e não corresse mais perigo — apenas jus ao legado de sangue  desmembrada para que eu não mais me debata  entenda eu era em peda...

mencionemo-lo apenas como aquele / a quem não se pode referir

  não falaremos sobre ele. as crianças não precisam ser amedrontadas,  evitando em vão a ausência de luz  desconfiando de toda brecha,  gastando o repertório léxico de suas orações  rogando mais essa proteção a deus.  os adultos não precisam encher suas agendas com mais cuidados e  sua noite com mais benzos  os velhos não precisam de mais certeza  da finitude e  do desejo de abreviação não falaremos sobre ele, ponto.  falaremos sobre esse ponto não pronunciem o nome, sim,  exatamente como um demônio, e, em extrema necessidade,  censurem vogais, mesmo sílabas.  mencionemo-lo apenas como aquele  a quem não se pode referir e mesmo seu vocativo e potencial dêitico  serão quarentenados em redoma manteremos brutalmente cerrados os portões  às espessas correntes e mais  placas e pesos e obstáculos e corpos e promessas ousaremos enganar a besta até que ela duvide seu próprio poder tornar-nos-emos assim se...

LEITE

  da sua seiva seca, eu — enfim coágulo. um ponto tosco à risca que se ramifica. uma forma mundana ordinária, à toa, como o que cresce destinado. nada pior que vir à tona da causalidade que te trona. “eu aconteci”, tive de parecer dizer,  antes de quaisquer conexões nervosas,  como quem se desculpa pelo mau jeito,  pelo imprevisto,  pela ofensa. ultraje aos teus genes. fui bem isso. “então, que se resolva” — saiu de você.  não sei teu timbre mas sei teu verbo.  da conjunção carnal cuja raiz milenar é desejo —  o que derivou foi repulsa. afinal não há nada  que você um dia tenha desejado menos  do que eu um acidente numa encruzilhada de sentido único. sou seu excerto malfeito,  sua cópia vagabunda,  sua extensão barata.  um adendo.  eu vim de você tanto quanto você se foi por isso animais protegem suas ascendências.  mas você cumpre a contramão —  eliminando meus rastros de rastejo.  munido de indiferenç...

primeiro mandamento

não suporto que você receba essa notícia. eu não poderia controlar o modo como ela seria entregue — não quero te assustar mais mas você já sabe. você saberia antes de ser dito porque um anjo horrendo te prenunciou  foi por isso que você me pôs esse nome? você sabe, não sabe? você espera. debaixo das camadas racionais que negam e mantêm a esperança  todo esse otimismo esotérico é sua forma de combater o inevitável  você quer crer na energia na lei da atração  que o destino é uma peça solta sendo realocada que você pode enganar seu deus através do supremo amor  mas você não O ama o suficiente pra perdoá-Lo não o suficiente pra acreditar que são Seus planos não O ama mais que a esse animal dissecado com ferramentas sem ponta que vos chora o primeiro pecado: você me amou sobre todas as coisas e amou a vida depois pra crer que eu também poderia pra ter certeza de que eu estava apenas doente e não posso, não posso ser eu a te provar que você esteve errada você me impe...