LEITE

 da sua seiva seca, eu — enfim coágulo.

um ponto tosco à risca que se ramifica.

uma forma mundana ordinária,

à toa,

como o que cresce destinado.


nada pior que vir à tona

da causalidade que te trona.


“eu aconteci”, tive de parecer dizer, 

antes de quaisquer conexões nervosas, 

como quem se desculpa pelo mau jeito, 

pelo imprevisto, 

pela ofensa.


ultraje aos teus genes. fui bem isso.


“então, que se resolva” — saiu de você. 

não sei teu timbre mas sei teu verbo. 


da conjunção carnal cuja raiz milenar é desejo — 

o que derivou foi repulsa.

afinal não há nada 

que você um dia tenha desejado menos 

do que eu


um acidente numa encruzilhada de sentido único.


sou seu excerto malfeito, 

sua cópia vagabunda, 

sua extensão barata. 

um adendo. 

eu vim de você tanto quanto você se foi por isso


animais protegem suas ascendências. 

mas você cumpre a contramão — 

eliminando meus rastros de rastejo. 

munido de indiferença assassina. 


alguns bichos comem seus bebês defeituosos. 

mas ainda assim eu seria interna a ti. 

nem mesmo esse pretenso ato final de misericórdia. 

foi plano seu não me poupar da sua tirania posterior?


por que não antes — 

do despontar minha consciência, 

da minha humanidade, 

das minhas holofrases?


hoje seu asco é renascido em manjedoura.


então faça sua parte.

tenha as mãos firmes que fraquejaram em 97, 

tenha as mãos firmes numa 38.

ou ponha os polegares na anatomia certa

me desenhe a arte de um colar cianótico no pescoço 

o primeiro presente, o único toque. 


me segure persistente até que seus olhos — em verde e cinza 

em outras órbitas — minha única herança

se banhem opacos


me segure por 9 minutos


até que minha pupila se expanda capturando 

esse afago paterno 

e meu corpo flácido não mais te mendigue


deixe esse recinto 

dessa vez cumprindo seu ofício 


saia dele tal qual eu saí de você. 


e uma vez mais sou eu 

que pago, com a vida,

a sua dívida

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