mencionemo-lo apenas como aquele / a quem não se pode referir
não falaremos sobre ele.
as crianças não precisam ser amedrontadas,
evitando em vão a ausência de luz
desconfiando de toda brecha,
gastando o repertório léxico de suas orações
rogando mais essa proteção a deus.
os adultos não precisam encher suas agendas com mais cuidados e
sua noite com mais benzos
os velhos não precisam de mais certeza
da finitude e
do desejo de abreviação
não falaremos sobre ele, ponto.
falaremos sobre esse ponto
não pronunciem o nome, sim,
exatamente como um demônio, e,
em extrema necessidade,
censurem vogais, mesmo sílabas.
mencionemo-lo apenas como aquele
a quem não se pode referir
e mesmo seu vocativo e potencial dêitico
serão quarentenados em redoma
manteremos brutalmente cerrados os portões
às espessas correntes e mais
placas e pesos e obstáculos e corpos e promessas
ousaremos enganar a besta até que ela duvide seu próprio poder
tornar-nos-emos assim senhores da mentira e da fraude —
por boa causa.
e quando em hábito as paredes ruírem ao impacto de suas convulsões, remendaremos como fazemos com todo o resto.
muralhas mantidas com retalhos.
suas escamas grossas e apontadas como espinhos,
os dentes comidos que escapam à boca e deformam a mandíbula
seus olhos brancos
seus olhos pálidos
seus olhos só escleras
seis olhos seiscentos buracos de olhos como nas moscas que jazem sobre o pútrido
seus olhos como o pallor mortis de um cadáver boiando no alvejante
diremos: não tenhais medo
não temerás o demônio do meio dia
pois que cairão mil sobre ti
e dez mil mais enterrando tuas costas numa cova de 24 anos de covardia
basta que não seja dito
que sejam elípticas todas as crônicas importantes
bastam três passos
então não pense,
e depois de não pensar - não planeje,
e depois de não pensar e não planejar -
não aja em direção à-
volte sempre os três passos
e se sustente sobre os dois poucos pés que te restam.
até que a turbulência dos golpes ante a redoma artesanal cansem
afinal. temos tranquilizantes suficientes.
não é a primeira vez.
não inauguramos o fim ainda
já que sintetizamos motivos convincentes
e por isso Ele pode reverberar seus urros nas masmorras subterrâneas
pois tomamos cuidado
todo o cuidado necessário
de não nos deixar saber
e enquanto trememos preocupados em não vacilar na palavra
enquanto apavorados arrasamos a fina fatia de terra prometida que chamam Vida-
ele se mune de artilharias novas como não o somos
não ouviremos os gritos que nascem das vísceras dos ouvidos
enquanto ele arma as garras - e sob elas sangue seco e terra dos cadáveres antigos vilipendiados
Ele respira através de mim
e quisemos esquecer através dos esforços da matéria
escuto
eis que ainda escuto e minto
eis que ainda escuro escuro
o vazio tem muito desses berros antiquíssimos trancados
especializados em encarcerar e simular faces
não notamos então quando escapou diferente de como lhe tínhamos batizado
pois esperávamos que parecesse
que parecesse qualquer um outro
menos Ele
os genes os pactos de sangue o hereditário a mãe que treme e sangra o feto o trauma do bisturi a hipóxia dos neurônios a anatomia desfalecida dos córtex o abandono afetivo a pobreza o desemprego o golpe político o cádmio e o monóxido de carbono a carência de micronutrientes o estupro em massa e de novo a fome e de novo a ira
roleta russa coquetel de coincidências - maldição
acaba
acaba que Ele se liberta como Cristo ressuscitado vencendo a pedra do sepulcro
enquanto eu não sou mais Lázaro
Ele se aproxima divinamente sedutor como tudo que envolve ânsia pelo pecado
desse corpo com órgãos
espasmódicos
até que até que então e enfim
as mãos foram dadas e três passos
são dados também