em seis anos atrás
2013.
em 6 anos atrás uma menina ainda é uma menina.
o cabelo comprido ainda escorria intocado
pelo corpo ágil de pluma.
nenhum sinal de parasita ou pílulas.
esse corpo não farejava seus predadores
e festejava perigosamente sua imácula.
esse corpo era o Qualquer
nem receptáculo nem química ateia
a saliva era solúvel,
olhos condiziam com membros que não espasmavam
num reflexo ridículo de fuga,
a respiração não sofria abortos no percurso.
os dias eram ordinários
nunca antes houve preocupação sobre o que era uma mulher
mas devia ser uma mulher
ou coisa e tal
um arremedo
ou quase
tropeça entre terminais jurando desbravar a cidade
e ganhar espaço, muito longe de casa
ainda sem saber sobre as casas que não são lares
e sobre matadouros que comportam o sono de seus carrascos
como todos os piores
esse massacre em específico
não se preocupou com discrição ou segredário
apenas um véu translúcido apartava o interior do público:
cortinas mais densas que qualquer grade
nenhuma fenda por onde escapar, o ar
ziguezagueava sujo e vaporoso de um pulmão a outro
uma tal inocência padecia em inanição roendo o mofo dos corpos
e as infiltrações nas paredes
cada vez mais próximas e íntimas da pele
como sendo os muros esses exímios conquistadores
limites costumavam lhe beijar borboleta a bochecha
época essa ela ainda corava
e cria ser o grito
um caso isolado e extinto
uma exceção e um acidente
um descuido um vacilo
- acontece
e a mentira mentora dos jogos
que lhe embotavam as reações
contaminou seus porquês
pras ausências mesmo olhos nos olhos
pra decoração da sua pele
em aquarelas de vermelho e roxo
pro pó alvo e mais caro que a valia
sobre o mármore de um banheiro
pras suas pernas sempre cobertas com jeans apertados
praquela insistente anemia
fruto das sangrias infligidas por meses
um soco nunca deveria parecer natural
um soco é uma vírgula
de um texto sobre seu futuro cuja narração
não é seu direito
em 6 anos atrás essa criança vai aguardar com a cabeça entre a corda
que alguém mais perceba
uma vez que foi ensinada a depender de salvadores
sempre mais astutos e fortes que ela -
que deveria tornar-se uma mulher também forte,
mas não tanto
não o bastante para conhecer a solidão
e toda mulher engole o mandamento entrelinhado
de que lhe cabe ser um pouco estúpida e covarde
essa garota, e não uma quase-mulher,
vai tomar seus passos largos ao abatedouro como escolha unicamente sua
e vai jurar na fogueira que foi dotada de liberdade irrestrita
e por alguns anos ainda lhe faltará material o suficiente para ligar os pontos
por enquanto ela pode brincar
de jovem insubmissa
de bastarda contente com a rejeição
de insana moderada com pretensas doses de volúpia
essas rasuras subvertem a ordem
e só doem tardias,
quando descobertas
numa inspeção madura de rotina
antes de ouvir sobre saussure
ela sofre a imprecisão do signo
e convenciona que amor se realiza pela autoridade
e que sendo assim
só quem pode provê-lo é quem detém o poder
há 6 anos a confiança na constituição e em deus a ludibriou
sem saber que ceifar uma vida
é apenas questão de poder
em 6 anos atrás essa menina será assassinada numa cama manchada de sangue
- vestígio de uma virgindade latrocinada
e o único som no recinto ficará por conta do choro de uma outra garota,
tão morta quanto,
num pornô gonzo online.