whore

é bem verdade que só o teu rosto o teu rosto
sangra a minha lágrima que flameja um transplante.
assim deitados com as testas encostadas na presença da minha melancolia familiar
mereceria a cena uma pintura medieval sobre o demônio do meio-dia que não pressiona o peito,
pois mais abaixo em ti quem o faz sou só eu.

tuas algumas palavras que me soam perigos também guardam 
essa firme dureza na voz para afugentar
a bizarra fauna que desponta amontoada dos lares do meu desassogego e que esbraveja para te tocar.
prova disso é quando me movo sutilmente e há 
orgásmicas fincadas nas costas onde tuas mordidas fizeram auréolas 
e meu grito contrariado suicida-se porque decepciona a própria natureza da dor.

assim deitados com as testas encostadas eu percebo
que tuas pálpebras dispersam uma fragrância do que é recém-nascido puro virgem
os teus cílios são asas de ágeis gaivotas que indicam terra.
as minhas lágrimas encontram foz nas tuas maçãs 
que enrubescem à menor variação de temperatura.
só teu rosto sustenta essa bigorna que é banhar testas recostadas, só teu rosto
agarra pela cauda meu choro como se fosse a explosão cósmica que tornou possível a própria gravidade.
você seca a bochecha e ri minúsculo, não sei o que te faiscou atrás dos olhos mas sei
que essa melodia me torna o corpo rútilo de uma criança que flutua na água após aprender como não morrer.

então eu não me absurdo em demasia eu ouso
me aparecer inédita e inequivocamente segura como jamais emergisse o risco do contrário 
e mesmo depois dos nossos cadáveres desconexos e decompostos ainda perseverariam vóltios a entoarem fala magmática através do manto:
o quanto você é AMADO, tanto quanto
o número que o número não abarca de moléculas de sódio às quais pertencem todas as águas que já rolaram pelos éons do globo.

veja eu abro a boca sim e não sem saber se cabe ainda a língua 
e acabo por dizer que já transgredimos os acordos primitivos há tempos que não nos demos conta
e você não os reitera cumprindo tua cautela gélida atômica mas antestreia um
"sim".
convicto sem aderir mácula ao trato
tudo bem estarmos aqui-agora e não aqui ou acolá por essa ou diferente razão de forma ou outra mais ou menos incertos
e isso para mim supera os euteamo intercalados espontaneamente – agulhas de algodão a suturar todos os segundos dos dias de medo, flor que desabrocha tão morna em seda com miolo de pérola e por isso não conhece a morte
– tu já não moras um sol mais adiante. e que jamais te suscites a viagem de volta.
eu sei que os olhos inchados me enrijecem e limitam o sorriso mas ainda assim não posso evitá-lo. teu cabelo eu também 
deixo úmido. 

pouco antes de eu reverberar teu riso, dissolveu-se meu regime paralelo de soluços.
mais cedo, a encruzilhada das minhas pernas através 
da persistência do só-teu cheiro abrigado à nascente
como um regalo.
e eu sondava
o teu corpo feito de todo o metal do mundo quando ele ainda se alçava irrevogavelmente para a solidão 
esta que alicerça os cumes das mais frágeis falésias intocadas de um continente já extinto
e portanto nada me prepararia para entender como Heloísa se sentiu quando disse 
“Even if I could be Queen to the Emperor and have all the power and riches in the world, I’d rather be your whore”


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