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Mostrando postagens de outubro, 2020

horror vacui

o estupro tomou meu corpo e hoje sou uma inquilina um parasita frágil me mantendo viva através das sensações neblinadas  e da supressão de memórias o estupro se apropriou da massa deformada (e não há nada mais nojento do que um corpo que se escorre) da pele que se estende com repulsa (e a ela abro porque não há mais o que possa ser aberto) e a erogeneidade encerrada em caixões de chumbo  resvala mais funda que qualquer vítima de radiação  é de uma dormência ardida em que — mesmo ao encontro da gentileza de uma língua  contraio seca. expulso espasmada como subserviente à ferida antiga que a fisiologia garante cicatrizada. tardei entrar em contato até que  as convulsões de uma febre anômica   se embrenhassem em cada ponto ensimesmado ramificando em capilares  toda a recordação encarnada  à prova de verbo e recusa tardei. agora o crime é o que preenche ao tomar matéria e novas habilidades  fazendo meu corpo ...

mais pesado que o céu

um dia  meus músculos  hão de aceitar  o que meu solilóquio sempre soube e entrarão em consenso — um acordo político inalienável — arrependidos da antiga hesitação  um dia os pés avançarão suas metades depois  da fronteira outrora impraticável   a poucos segundos  mas muito seguros  da iminência do finito toda cacofonia  convergirá no suspiro uníssono  do deliberado alívio (as hipóteses de outro acordo qualquer  serão só esoterismos) os frangalhos farão as pazes  na carne leve como uma vontade crescida e tudo que é corpo se entenderá   na queda comendo a velocidade infligida  — com orgulho na qual nenhum outro mito será obstáculo  enquanto se perde a virgindade do material e da vigília  — e então nenhuma filha e então nenhuma mulher e então nenhuma menina e então nenhum monstro — não mais os papéis e as ranhuras  apenas uma centelha cadente solitári...

savant

nem mais tão bonito .  os traços ordinários como os transeuntes anônimos, irreconhecíveis nos sonhos. sua vista gradativamente desinteressando, e tem também o desejo agora desértico. sim, porque eu seca invariavelmente. nus, sentamos com as costas coladas — e todo suor é calor da estação. deprimente admitir que aquele toque, ah , aquele toque — virou este  toque. que me elicia enjoo. pra que não me acusem uma cretina, o tempo não faria tão rigorosamente seu trabalho se você não fosse um exímio ajudante. com suas discretas mesquinharias (as quais nunca seriam autodeclaradas sob a pena de uma nódoa no seu ethos forçado de bom-menino), você conquistou com mérito minha repulsa. e eu nem mesmo dei conta de endossar, tão contra-fluxo foi. quando as chispas denunciaram eu me posicionei defensiva, não seria mais que um momento pontual em que as ofensas eram perdoáveis pelo estresse, e em que já conhecíamos o caminho de volta.  mas eu lidava tão mal com esse perdão quan...

são estórias terríveis

são  estórias terríveis desconfortáveis e atípicas  de fato você não tem que- três dias estáveis. espere por isso espere por  seletivo- destaca de mim o que é  textura aveludada onde o tato flui satisfeito me fragmenta  escolhendo o que cabe no afeto  de acordo com os proprios critérios de merecimento deflagra minhas guerras civis  -eu odeio o que você odeia- traio meus motivos pra que  o que você elegeu de mim não pereça  não ainda não ainda- (um pouco mais do seu afago ciclotímico) em algum momento eu fui incólume? onde você existe? quando meus olhos não te alcançam  por deus onde você- e se não vingada no inchaço uterino e se miasma carmíneo extirpado pela graça  desmembrado antes dos circuitos da dor e então — toda a vida toda a extensa vida que aconteceria inevitável como biológico  você se esquiva como se eu fosse um tiro assustada ataco e firo em reflexo mas são as suas...

70x7

por favor — se você me ama — é o que pergunto a sétima vez na semana porque desconheço amostras da certeza não-perecível  de toda forma eu vou contra argumentar  manequim do automatismo crente numa conspiração  eu não confio  e isso  nasceu comigo então você bufa  revira os olhos sua voz assume o tom mais puto —  é quando me garante paraverbal  que eu- eu não posso ser suportada parece tão difícil  falar aquecido e me jurar que logo passa. e que sim você me ama pela sétima vez na semana até que em algum deles eu aprenda você não imagina essa vida em precipício  toda noite em definitivo eu sinto muito pela recorrente descarga elétrica quando meu corpo espasma   e o terceiro grau se mostra na ausência de pele emocional exposta, infecta — patética  então tenho de  cortar os laços dos nossos dedos pela sétima vez na semana não sou o bastante então corto meus próprios dedo...