horror vacui

o estupro tomou meu corpo

e hoje sou uma inquilina um

parasita frágil me mantendo viva

através das sensações neblinadas 

e da supressão de memórias


o estupro se apropriou

da massa deformada

(e não há nada mais nojento do que um corpo

que se escorre)

da pele que se estende com repulsa

(e a ela abro

porque não há mais o que possa ser aberto)

e a erogeneidade encerrada em caixões de chumbo 

resvala mais funda

que qualquer vítima de radiação 


é de uma dormência ardida

em que — mesmo ao encontro da gentileza de uma língua 

contraio seca. expulso espasmada

como subserviente à ferida antiga que a fisiologia garante cicatrizada.


tardei entrar em contato até que 

as convulsões de uma febre anômica  

se embrenhassem

em cada ponto ensimesmado

ramificando em capilares 

toda a recordação encarnada 

à prova de verbo e recusa


tardei. agora o crime é o que preenche

ao tomar matéria e novas habilidades 

fazendo meu corpo um direito

impelido a deveres cíclicos 


e os eventos mantiveram

seu efeito depravador em cadeia 

em que sentei e me aprontei de quatro

como cadela condicionada

obediente à origem

farejando famélica qualquer aprovação 


e é esse dever de fidelidade à origo

que postula que

uma vez que se parte da violência 

é a ela que incondicionalmente

resta retornar 



(principio com o núcleo do sujeito

denunciando em contra-fluxo

do silêncio 

e a mania pública da substituição por sinônimos traidores que abrandem 

o estupro — e sua besta 

de mãos compridas simbióticas).

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