já desfilei despenhadeiros, possessa
bem parida numa
euforia esguia que me alumiava o semblante,
eu tinha incansáveis olhos e vencia as quedas de braço com as noites
e ainda que não soubesse aonde ir, continuava indo.
eu me pendurei em estranhos achando que neles havia algo a ser percebido e descoberto.
julguei um milhão de vezes que o amor era aquilo que eu não estava vendo.
e me apeguei às imagens distópicas dessa miopia,
enquanto ainda era enérgica e disposta aos ferimentos.
não havia perigo nas esquinas,
eu inspirava até o fim dos alvéolos mas
agora
eu mal posso suportar minha imagem pública.
nada me convence que esse corpo
não merece meu casto e honesto ódio
o ódio que se re-nutre pelos inimigos, por criminosos hediondos, por
aquele que te abandona e desfaz os sonhos,
agora meus músculos são fibras frouxas,
meus olhos opacos quedam as pálpebras
e me constranjo ao ser vista e visitada.
agora fico ao léu das avenidas
algo de mim permaneceu lá atrás,
irrecuperável e terminantemente morto
agora minhas carnes se dobram, escorrem umas sobre as outras
eu sou um fantasma corpulento que vem cobrar o que fracassei
um fantasma hirto cujo espectro ainda formiga e tosse
e arde garganta quando a fumaça ecoa
não há túnel de luz, ou um anjo alfandegário que me permita passagem porque fiz das carnes as colunas do meu inferno
e agora assombro seus labirintos
eu tenho vincos profundos sob os alçapões
já estive menina, já estive mulher. já estive poeta já estive
os meus gritos são roucos e vibram pelas paredes do crânio
e eu não seria capaz de reconhecer minha própria voz mendicante
em prece -- Senhor -- por favor faça que pare
de uma vez, como um tiro, seu estampido oco
de tal doçura que ninguém escute
e que eu não precise mais
assombrar ninguém