todo dia é maio

isto não é uma menina.

a testemunha curvada 
punha fora o ácido 
(um outro,
bem mais
bem mais
humano)

isto não é uma criança.

nenhum preparo objetivo
prevê essas lágrimas 
e um ou mais policiais maculavam
suas poses másculas 
por entre as fardas.

isto não é uma filha.

a mídia de Médici expiou seu bode
na boliviana chamada traficante.
e os passos sozinhos de araceli 
foram logo único cerne da história 
já que os envolvidos
eram muito perversamente acompanhados. 

isto não é a minha filha.

e a mutilação lancinante de um pai
que vê tombada em barbárie sua prole
não passou no crivo da censura institucional 
para ter permissão de lamento.

isto não é um corpo.

então pequena,
foi descoberta ainda mais pequena
nas sobras dissolvidas sadicamente às pressas 
arremessadas ao léu de descampado baldio

o crânio negro
pela metade -
fósseis do neolítico 
eram mais conservados

a arcada resistente
nunca seria
aquele sorriso

nenhum vestígio ali
de araceli

isto não é um desaparecimento 
isto não é um estupro
isto não é um assassinato

bestas sedentas grunhiam em conjunto 
gozavam um a um
sua pupila ilha de barbitúricos 

araceli sonhava longe o bastante
enquanto o homem moderno de elite
lhe arrancava entre caninos polidos
os miúdos moídos mamilos?

isto não é -
não podia ser -

mas Radar insistia com o focinho
e perfeito a ponto de não entender
ainda esperou que seu amor voltasse
menina, da escola
e depois mulher, do limbo
até mesmo já senhora, com o cheiro
o cheiro que a queima de arquivo
e a queima crua da carne nua
não extirpou

isto não é um crime:
dizia a absolvição em suas 700 páginas.

custa um bocado de humanidade aceitar
que testemunhas
antecedentes
júri popular 
confissões 
e DNA 
não são prova suficiente
para machos brancos de terno
e sobrenome italiano.

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