o estupro te ressignifica os sujeitos e predicados,

o estupro 

te ressignifica os sujeitos e predicados

demasiado mórbida e imperiosamente.


à primeira vez - aos 15 - me fez, antes de qualquer interpretação consistente, 

encarar as outras de 15 como nada mais que

crianças 

esticadas.


eu não tinha nem peitos para serem mastigados.


(mas o sangue como sempre possível 

tornava cada mancha na colcha seu troféu particular)


estupradores são bem diferentes dos retratos - estes que perduram arquétipos negligentes.

são eles, os tais monstros - gentes também. 

não aberrações de presas às vistas.

e é comum até mesmo 

que nós os amemos 

até que compreendamos o multifatorial que configura o crime -

não culpa ou dever, não um lacre rompido sem permissão ou um apalpar que surge vadio,

mas como uma existência que subitamente se racha em algum ponto difuso 

e você só tem ideia da espessura e profundidade, 

e do quanto não alcança o chão, 

até que o sangue verta generoso

(a única generosidade que se encontra nesse ínterim)

e qualquer retorno se revela impossível.


não se pode, não se pode

desfazer o que essa espécie de tortura faz nascer

e as eras não são suficientes

a maturidade não é suficiente

nenhuma morte é suficiente


se descobre que há ardores que não aliviam pois não se encontram em qualquer lugar preciso

seu corpo se dissipa como parte de todas as guerras não noticiadas

e repentinamente você descobre irmãs igualmente estilhaçadas em todas as coordenadas do mundo

e chora seus anonimatos e sangra seus nós violados

mas é incapaz de conhecê-las e oferecer um conforto em sua pele de vidro


é quanto você dói aos bilhões 


olhar pra uma garota de 15 é contemplar você 

que agora se dissocia do seu próprio corpo tanto porque aprende a odiá-lo - como cena passiva e ignorada de crime - quanto porque quando uma menina é rasgada no escuro 

todas o são também 

outra e outra 

e mais outra vez 


e as estatísticas e as denúncias não fazem jus às silenciadas pelo pavor e pela pobreza

nunca há sensibilidade e consciência o bastante para nos puxar de volta para a possibilidade

de acatar uma vida pós-trauma

e assim não querem admitir

que meninos estupram

que namorados estupram

que maridos estupram

que amigos estupram

que padres estupram

que pais estupram

e que mulheres também aprendem a estuprar

e que os estereótipos do desconhecido insano em uma rua deserta à noite contra uma mulher mal vestida que grita NÃO 

corresponde à menor porcentagem.


nós confiávamos em quem nos mortificou. 

e as tentativas de definir algo assim ignoram sempre que nossa condição social é a de indulgência.


as ideias de proteção e verdade são as primeiras que partem

nos desinteressamos de existir na rotina

porque eles prosseguem suas próprias rotinas sem se abalar.

seus corpos venceram. seus membros são reis. suas vontades são maiores que qualquer NÃO  

então 

nós repetimos SIM como nos foi sutil, mas agressivamente, convencido

como manda o figurino

das boas moças violáveis - treinadas como cordeiros de sacrifício.

e más meninas são nada mais que um mito sobre aquelas que arriscam berrar


e cada centímetro meu é repulsivo depois que foi tocado e retorcido pelo desejo dos que eu não descobri a tempo serem ameaças


a culpa sempre à tona


à segunda vez eu tinha 16

à terceira vez eu tinha 20

e eu pouco lembro -

ainda que me esforce tentando reavivar o ódio o bastante para destruir as pistas e queimar os arquivos

e ter a permissão de seguir 

não retomo cronológica e descritivamente

há hiatos extensos porque a memória se recusou a estar presente no ato

há hiatos extensos porque o torpor era o único que me espasmava

e somente as sensações e os flashes encontram a superfície 


mas não importa, importa? 


o que quer que eu tenha pra contar

na ponta da língua 

não basta

o que quer que eu tenha pra contar

o mais sincera e honesta

humildemente tentando ganhar direito de apelo

é distorcido como apenas 

os exageros verborrágicos de uma mulher doente e dramática 

em busca de atenção e dó


é sempre preciso convencê-los 

a violência precisa ser aprovada e eleita para que valha a revolta


então, eu sei em solilóquio,

nunca nunca esse corpo será são novamente

nem nunca experimentará ser posse e vontade minhas

onde o prazer é passível de residir 

e o medo não fez morada nos recônditos mais baixos do ventre

- e mesmo o toque mais gentil acusa alerta -

pois que deus na hora e desde então não disse uma só palavra - 

e o que haveria de ser minha alma 

nunca será salva

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