as palavras não têm sido fáceis

as palavras não têm sido fáceis. 

tenho caçado, em vão,
armada até as memórias 
mas sempre torno à casa
de patas pendendo.

espalmadas
e atadas
as palavras roeram meus verbetes

me perguntam o que há
eu só choro, balbucio 
quando muito, murmúrio teu batismo
mas nada há além
das patas espalmadas,
atadas
tensas.

eu não sei quando
ou como ou quanto aconteceu,
da última vez que me dei conta estávamos cá,
eu tu e nossas crias de planos
nossas veias quase geminadas
tão correntes e coesos viviam nossos corpos 
pouco lembro da alma
é verdade, eu esqueci da alma,
e dela só coube a noite escura.

cavalguei a ti vezes demais escondendo os olhos, 
renegávamos abraçar os dedos e atuamos como se fosse 
pura displicência no caminho

desrespeito à ordem natural da morte,
nossas carcaças repeliam-se.
emudeci o corpo porque ainda cria -
menti o gesto porque só sabia ser nós, mas
meus braços se cruzaram sobre os seios,
meus joelhos se encolheram sobre o ventre
e meu olho escorria sujando as cores:
o brutal fenômeno do retorno a mim

(tão triste os corpos
nesse funeral sutil das suas conexões)

o despertencimento
de uma mulher sem terra,
a nudez dos muros:
é nesse solo desabitado que se tem de construir um novo lugar

onde se adestre a ânsia
o bastante para dela ter compaixão

e como a coleira me fosse o outro couro do pescoço, 
não havia espera que não fosse por um dono. não havia eu que não fosse posse.
e onde, onde me apoiar
como se fixam os dois pés 
e os polegares opositores 
e as queimaduras na língua, meu calcanhar que rasga
?

sobre o desejo,
umas lembranças já de bordas amareladas 
e a recusa em me arriscar em outros fluidos.

onde você se enfia é caso teu,
coisa de noite ou de uns dias 
quem sabe até você dê certo com aquela guria 

e meu ciúme no plural,
e minha saudade no português 
e a última vez que nos abraçamos sem saber que seria a última 
nada disso começa com conjunção adversativa

mas foi sobre desejo também 
meu ir embora

digo, definitivamente 
embora.
embora eu tenha de frisar. todas as madrugadas. 

e teu corpo passou a ser
de tesão e refúgio,
a insônia e náusea. terror noturno na carne paralítica  
que não se cura com as auroras
ou com o morrer dos dias.

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