[disponha]
arrisco qual bala profusa em chamas
contra o mais árido e mormaço
desse horizonte urbano tremulante
que só se permite no embaço
minhas costas gritam socorro rouco aos rasgos e
não há carapaça ou anatomia que resista
cozinho enquanto cruzo esquina
meio extinta de mim para ouvir
o disparate perverso das buzinas
(comunicam-se nessa língua
os predadores sobre dois ou quatro membros)
deles um papo vadio tripudiando sobre
devorar aos grandes olhos uns regaços
lobos regados de olhos escondidos
lobos escondidos de olhos regados
loucos regaços de olhos negados
loucos negados nos olhos de lobo
escondidos nos olhos regaços
eu quero dizer ao disparate anônimo
que ele não se daria se soubesse o que carrego nos bolsos do short camuflado
(que não basta para disfarçar minhas coxas
e mais acima mais ao meio. é isso que eles veem. uma parte pelo todo
num esquartejamento maníaco)
se soubessem que essa tala ortopédica falsa
cobre a auto-injúria
da deformidade paralela dos meus pulsos
e os 13,99 tilintam para uma faca de cozinha barata
os 7,75 para um maço de cigarros ressequido
o arranhão familiar da garganta e as garras por trás dos globos oculares
e meu coração fadado a limitar movimentos bruscos
se ele soubesse meus planos para o fim de semana
e o bilhete puro que escondi sob os calendários artesanais
apenas justificando aquilo que precisa ser feito de pronto
porque falharam em cumpri-lo em 1997
as várias folhas rasgadas e destroçadas pela ira
de não ter ideia de como é possível um adeus a todas as palavras
que eu preciso de uma metadinha de benzo a cada exposição ao sol público
que eu preciso agredir com misericórdia meus ouvidos
porque os ruídos próprios e da vida
que imperdoavelmente corre além de mim
são demasiado mal vindos
que eu ganhei a mania de esmurrar espelhos porque
minha imagem estilhaçada é a mais precisa
porque os fragmentos são ônticos e deles precedo
porque eu quis conhecer as geleiras do ártico e o temperado avermelhado da flora europeia
mas não irei e ainda assim
elas ainda serão o sermão impiedosamente à parte de mim
isso não é um poema
ou não seria eu uma ronin do lirismo
obcecada com primeiras pessoas do presente e do pretérito imperfeito
do subjuntivo
bramindo contra a desculpa estapafúrdia de que tudo-o-mais o é subjetivo
você não me desejaria se soubesse a razão dos meus seios serem fartos
ou das roupas folgadas masculinas
ou que omitir esse corpo elíptico é o que resta fazer quando não se suporta encará-lo
e que meus banhos são breves de olhos fechados
você não me desejaria se soubesse que
que olhos fechados lacrados hermética e eternamente são meu desejo
você não me quereria se conhecesse meu querer
meus maus hábitos de nomear necessidades como amor
e quantas vezes golpeio forte esse rosto justamente por golpeá-lo
que as coxas roçam
que as coisas rossas
são lilás pastel numa única manhã
a cada 15 noites pérfidas de um tom mais escuro de roxo
você não me veria se soubesse do olhar que demoro em mim
da obsessão pela violência e disposição para o ódio
da delícia que é meu estômago parabenizando num monólogo
ou que são as sensações que voam como moscas
excitadas pelo pútrido e também caem como moscas
minguadas pela praga
apenas até que eu preencha toda carência com torpor químico
e por isso, não, você não me quereria foder se me encontrasse nua
que eu valide minha escolha através do não à continuidade
que na minha cabeça eu atire em todas as dimensões
assim como o branco soma todas as variáveis mais tristes
que eu vou findar na pele marfim salpicada dos sinais
(que ele tem medo)
e que meus mesmos sinais também o amedrontam
que eu preferiria que ele nunca houvesse existido se meu não fosse mais
que tenho de vestir a renda mais apelativa para disfarçar o grotesco
e que eu ainda considero o ouro rubro daquela revolta o tom do milagre
somente ele me olhou perfeita em duas décadas
nem mesmo deus
nem mesmo o seu deus seria tão generoso
quando eu neguei respirar pelo seu hálito foi porque tenho em mim
que dentro da sua boca apenas residisse meu suspiro derradeiro
haver perdido os sentidos que tanto domestiquei
e por isso ele perceberá o resquício de fumaça no beijo famélico
ainda que eu, desnutrida da base essencial,
bocheche água sanitária ou soda cáustica
peço perdão pelo passado séptico
por estar aqui há 3h enviando mensagens pro aquém
alguém me ouve?
pois ele não
ele não
eu amava escalar minha cova e mascarar o cinzento das olheiras pra recebê-lo
com as pernas
e com a vontade de potência ao seu redor
girando e girando como um astro em seu sistema — a segurança
mas agora Remina me engole e nem sua língua é capaz de me aspergir
por favor guarde meu espectro
quando meu aspecto era favorável ao seu desejo
minha história inteira é sobre pathos
me dê um nome,
por favor me batize
para que eu possa cravar que aqui
aqui fui e jazo eu
eu serei pesada no passado para curar o sono coletivo
mas lembrem que eu fui ruído e que tive sons à beça
que abençoei as cicatrizes
e me constrangi do bordô borrado meu de cada dia
e por favor que não haja um só que contradiga
que toda toda essa vida mortificada e enfim morta
não foi por nada mais que apenas por aquilo que profanei batizar
como amor
e talvez agora vocês saibam o que com isso eu quis dizer