l(a leaf falls)oneliness
sim, agora que você foi mais hostil, eu entendi.
não mais pertenço a esse lugar,
uma vez que você não cuida para me manter presente
e me fornece sucessivamente sinais de que não caibo aqui, não sou bem-vinda ou relevante
sinais tão claros e recorrentes que não se justificam por outro motivo senão intenção deliberada.
eu não posso mais modelar escusas que me convençam
de que você não quis dizer isso, você não quis soar assim
está apenas enraivecido momentaneamente
ou que é o cansaço do dia interminável
ou que você é naturalmente desatento
ou que suas habilidades de comunicação interpessoal são escassas
ou que de fato eu ajo como uma cretina sem me dar conta
eu não posso mais relevar e fingir que não aconteceu,
porque não cessa de acontecer outra vez pior.
eu não posso continuar acreditando na sua palavra
de que a má intérprete sou eu,
sou eu que não tenho a disposição para entender sua perspectiva
e por isso tenho de conceder o benefício da dúvida e
caçar nas entrelinhas os sentidos --
os supostos possíveis sentidos do que você quis expressar e só por acaso não conseguiu
(e, claro, você não se preocupa em articular de outra forma
e curiosamente, usa as expressões mais nocivas possíveis)
insiste na tese arcaica, que todas as mulheres bem conhecem,
de que é a minha percepção que se encontra enviesada
afetada pelo meu inerente desequilíbrio emocional
que até, quem sabe, estou neurótica e instável e histérica e nervosa e perdendo as estribeiras
que sou demasiado sensível e por isso reajo de forma amplificada
o que quer que você faça
não é suficiente pra fundamentar a minha raiva
que, ainda segundo você, é totalmente inapropriada
e que isso é simplesmente desnecessário,
não tem razão de ser, não há motivo pra tanto --
assim você determina critérios do que é ou não adequado
assim você quer me ditar, de acordo unicamente com a sua expectativa, como eu devo me comportar afetivamente
quer um comportamento passivo e resignado, conveniente pro seu desapego -- esse que você só cochicha,
sim, você só sussurra o que realmente significa,
se esquivando de encarar as consequências de dizer, com dicção impecável,
"eu não quero mais você"
ensaia várias vezes ao dia o protótipo desse afastamento
através de eufemismos e recomendações hipócritas
que eu devia me focar em interesses próprios, investir nos estudos,
conhecer pessoas e cuidar de mim.
diz que é necessário que sigamos em paralelo no momento
para supostamente resolvermos aquilo que nos distancia
que acredita ser melhor para mim que você permaneça longe
e que eu sou responsável por essa situação por ter negligenciado seu sofrimento,
você exerce esse privilégio de decidir sozinho o curso das coisas e me resta aceitar seu protocolo
para não perder o que restou de você.
mas volta e meia, durante ou imediatamente após o massacre sistemático de todos os meus recursos,
quando já estão os dedos sangrando pela agudeza das palavras,
um reforço intermitente: afirma que nossos filhos serão fodidos como eu ou que, sim, me quer como companheira de vida
envia repetidas mensagens como que preocupado com meu paradeiro e bem-estar
incomoda-se pela falta do boa noite
me chama pelo apelido de infância
e até mesmo analisa e se reconhece como responsável por alguma questão
-- dessa forma você me puxa de volta quando eu já seguia quase irredutível na direção oposta.
ousa me acusar de ser confusa
ousa dizer que o amor não é assim como eu o exerço
que depende de mim nos encontrarmos outra vez numa mesma linha do tempo,
num ponto onde infinitas versões de nós se cruzam,
basta que eu faça a "minha parte" (e, outra vez, é você que define que dever é esse)
enquanto você apenas aguarda e continua na mesma dinâmica habitual
com suas esquivas seus vícios suas desculpas aos farrapos
evitando sempre o contato direto com o mal-estar,
seguindo mascarando a tristeza de raiva porque é menos doloroso estar puto do que enlutado.
em breve você vai enfiar outras mulheres na história
macular o frágil elo que resistiu a nós dois escondido nas trincheiras
-- essa lembrança viva e cintilante do quanto fomos compatíveis, completando as frases um do outro,
estrangulando nossos corpos no intestino do abraço a vácuo
jurando que jamais na história do universo haverá algo tanto como nós --
vai experienciar o verdadeiro amor pela primeira vez mais uma vez
e garantir que nunca foi tão apaixonado por alguém quanto agora
então aparecerei ridícula e caricatural nas suas narrativas
e você vai me usar de exemplo de como uma mulher não deve ser
esquecendo-se da maneira apoteótica como um dia me fitou. por infinitos minutos.
mas nesse exato momento,
você ainda está me ligando,
prometendo que será diferente
e dizendo que me ama duas vezes numa mesma frase.
eu sinto esse embrulho no anel do estômago.
e sugo o sangue do interior mastigado das bochechas.
mas, curiosamente,
ainda corro até o portão ao escutar
sequer uma folha rastejando pela calçada.