é assim que te olho
não houvesse colonização sobre a terra
ou vestígio a esmo de vida inteligente
civilizações inteiras padecessem soterradas
mas, antes, uma única silhueta – em seus
ombros largos e invulneráveis
ao grande silêncio do universo –,
que me dita a natureza do próprio gene.
– é assim que eu te olho.
sou capaz até mesmo de esquecer
o que fazem os homens.
e te fitar como uma espécie à parte
que volta e meia, um acidente,
mimetiza um gesto ou outro
dos seus antepassados.
cresceram teus olhos
voltados para dentro.
e aquilo que sujo vês,
que pensas indigno e pecha
merecido converter-se em segredo
– isso também de ti eu quero.
tornar-me então uma visitante assídua
do que você mantém entre grades
estender a mão aos teus lobos
receber no colo teu corpo de guerra
seja encardido seja profano,
trilha seca de sangue arcaico,
feridas a flux destinadas à infecção,
os calos nas mãos ásperas
como ímãs ao próprio pescoço
– misturar-me à sepse como a mulher
que não se curva à morte que sou –
te banhar como quem só para ti
inventa um rio
e estender teu peso inteiro sobre o meu
a ser a superfície segura onde você descansa
à noite eu
clamo tuas íris
tal quem escava uma mina de esmeraldas
prestes a desabar –
na esperança de que espiralem
um instante na minha direção –
e eu nelas possa finalmente me ver
refratada.
até que talvez minha imagem escatológica
se destaque, desvirginando-se,
mesmo entre sombras mais dóceis.
e talvez aí um rastro teu olhar famélico
de quando revolve-se uma breve erupção
sob as costelas.
a lamber o que em mim é ácido
e o transmitir à minha própria língua
através da tua.
os suicidas despencam para cima
os relógios correm em sentido anti horário
brotam flores dos estômagos de cadáveres
eu acabo de nascer
e eu não choro.
é assim quando tu me olhas de-va-gar –
verdejantíssimamente –
o dilatar do metal
no incêndio morno ameno
de confessar que me ama
como quem declama
em língua há muito morta.
e como quem não precisa reciprocar em verbo
– é assim
que eu te olho.