ridículo
ridículo é sobre ti escrever
ainda de pé e desnudada diante de,
transbordante os arrepios na espinha,
ré da tua confissão
sobre um afeto embotado.
e, quanto a isso, não te abordarei.
jogo sobre os ombros meu manto de espinhos
para te absolver de qualquer gérmen de ideia
de dever para comigo.
ridícula é tal euforia elétrica que me percorre
e eriça os pelos mais ocultos
quando tua imagem estática, estéril,
me aguarda frente ao portão.
esqueço. o automático da respiração
esqueço. como se modulam os músculos
das pernas para caminhar –
e só conheço como usá-las
emaranhadas
ao redor da tua cintura.
ridícula é minha alegria,
doença autoimune, quanto
ao teu fugaz e volátil e de soslaio olhar
quando em ti estou
montada
(e desvendando, honrada,
o mover meu que mais te apraz)
rezando para que não tão veloz ele se dissipe
e que algo dessa vista te agrade
e, mais ridícula, convenço a mim,
murmúrio ao pé da minha orelha,
de que são provas suficientes
microscópicos e infames gestos
de carinho,
decerto mecânicos
e universais para as demais tuas
amantes.
ridículas são todas essas palavras
carregadas de uma entrega-dissecção
sobre um descabimento quase maníaco,
previamente homologado
como inapropriado e fora do tom
que versam, nada mais, sobre o Amor que você
fez questão de hostilmente repreender,
e sobre o qual nunca mais pronunciarei
e fingirei natimorto –
sem permissão de enlutar-me.
nada outrado devo esperar de ti
senão um certo decoro
como se exerce com flora rasteira
e mansos animais de rua.
do contrário, saberia nas vísceras,
sobre a onipotência do contrário
– sou aquilo convidado, sob aviso prévio,
a se retirar e desaparecer
cujo assento que inda agora ocupava
far-se-á frio e prontamente disponível.
próxima,
você dirá, com sua voz de aço.
eu, aquilo tal que jamais te suscitaria
coisa alguma ardente ou flâmula
que às vezes fugiria, também ridícula, ao controle
– tu não me desejarias
como aquele que não espera
cair a noite.
e talvez, em hipótese de
um qualquer gosto por mim,
justificado seria como uma rasa tentativa
de ceder ao que parece justo.
até o dia plúmbeo que me saltariam
os olhos das órbitas
ao educadamente cumprimentar-me
escorado em uma mulher
dizendo, pouco constrangido,
que não entende o que aconteceu
mas que finalmente experienciava
o ridículo que eu sentia.
realizarei que jamais foi sobre
a interdição que teu momento pedia,
mas sobre eu, idiossincrática,
não ser bem-vinda nele.
sentar-me ao teu colo seria, então, igual
a me coser à margem da sua vida.
uma amiga leal,
uma confidente exemplar,
um ninho para penetrar e umedecer
com suor e demais fluidos
(ninho este que eu preservo limpo e fresco
das minhas lágrimas)
(sentindo-me autoeficaz
por compor catalisador do teu gozo
unilateral –
pois o meu gozo e o teu gozo
não são sinônimos),
mas me resguardar
– como se sutura às pressas uma séptica lesão –
de qualquer palavra romântica
de qualquer plano mais adiante
acatando tuas recomendações de cuidado
e sua estranheza e repulsa
diante do meu, por ti traduzido,
destempero
e precipitadíssimo desejo.
seria acatar-me estrangeira
que, embora transite por toda
a paisagem bruta do teu corpo
(e a conheça como a palma de minha mão
invariavelmente vazia),
jamais obterá aval para nela construir
derivações, tampouco
fixar uma moradia
ainda que precária.
até que de todas as histórias possíveis,
seja eu enterrada como uma lenda urbana
sobre uma bárbara, e selvagem, criatura que,
às mordidas
aos rosnados,
invadiu um território
cujo acordo foi
preservar-se fronteiriça
sem reivindicações
sem lamentos
e sob sanção de medir as palavras
que já nascem, coitadas elas
(e que ao menos deus as guarde),
fadadas ao ridículo
sendo o supracitado “ridículo”,
assim entendido
frente à tua face
metálica,
em verdade tratar-se
de um tanto afeto genuíno.
e portanto e sempre,
frente à tua face
metálica,
improferível.