ao meu ex-terapeuta
aninhar de volta a farpa
que você remexeu uma vez já implantada
e fez arder de novo
transformando o relevo em ferida exposta,
auto-imune
contemplar meu flanco coberto de penas e saber
que embora tenham nascidos prontos os outros
minha forma não é aerodinâmica
por pouco mais que um gênero e uma cor
não somos um mesmo --
e também sofre o terror das alturas
pensando em si como refém das performances rasteiras
estranha banalidade alheia é
um pé frente ao outro
300 e tantos dias de incisões
sangrando em uníssono
e após um hiato --
"eu",
pausa,
"acho que te amo"
"e por isso",
você continua,
"não posso mais ver você
são aspas que jamais se dão por encerradas
e um verso suspenso
planando denso e almíscar
como assim seria se--
"eu não tenho pacientes, eu ajudo
pessoas criativas"
mas te pergunto,
o que diabos posso eu criar com isso?
contestar o ofício irremediável dos espinhos
tolerar o mal-estar fundamental e acolher
que
há de se ter orgulho
de certo nível de inadequação
assistir você brilhar longe como um
conjunto de espelhos apontados pro abismo
e a cada estado que desconheço conjecturo
que você deve deter as proto-palavras para eles
nosso encontro nas experiências comuns do inédito
e naquilo que escapa ao discurso familiar
no que o público não sanciona verbo
só nossos punhos se cruzam agora
do outro lado da margem
4,176,7 quilômetros
deixe a farpa fazer
o seu trabalho
e nos servir