[semeasse cadáveres diminutos,]
semeasse cadáveres diminutos, pequenos
grãos abortados e também
pétalas amarrotadas que murcham em marcha,
massas indecifráveis de natureza morta
intransplantáveis para uma tela qualquer que seja pois
não existem tons tão rotos
semeasse esporos de ódios, embriões do horror noctivo,
dessas espécies que vagueiam contra o sol, às avessas da luz,
é esse instante em que o segundo adiante
é sepultado ainda em curso, antes que
se faça escuro
não vingam narrativas paralelas a essa
jaula verborrágica onde ervas daninhas, delgadas como fios de cabelo
se enroscam entre as grades,
arasse o solo com sangue grosso dormido, guardado
a fermentar seus figurados
e desse de comer às suas covas irregulares frutas pútridas, suas filhas pródigas
com o pecado primeiro talhado nos caules e liames descendentes,
com suas nervuras indóceis --
ranhuras que não pertencem, a priori, às estações
esculpidas todas no mais puro
surto maníaco, de engramas fraturados,
uma peste seca
que acomete uma única forma de vida por vez
a qual se precisa decepar para que não contamine,
como os soldados explodiam suas cabeças pouco depois de tornar à pátria,
plantasse trincheiras nas paisagens
deitasse sobre o solo um manto calcinante,
coro clandestino de flamas azuladas
e aguardasse às vezes
a orgia dionísiaca dos vermes
em seu ofício necrófago por excelência
não há sinal de vida vadia que brote não há
o que ressuscite ao terceiro dia
é assim que se sente após estar
o corpo não mais que motriz espasmódica
que berra obscenidades e chilreia como besta
e se desconhece diante da lembrança emaranhada de si,
como aquilo que flores jamais teria colhido --
aquilo de onde despontam espinhos já desfigurados
e terríveis espécies antropofágicas
observo tal qual um cão
nidado ao pé da mesa
os ecos cromáticos
carregados por vizinhos de gramados verdejantes
e ainda que pouco mais à frente, assalte eu
tal exuberância,
o prurido toma minhas mãos em brasa
e ei-las então despedaçadas como
fossem urtigas as corolas.