circular
abril, 2019 - e é só mais uma dessas datas que eu tento contornar a morte.
5mg de alprazolam pra ir à aula não conseguia reconhecer alguns rostos ou articular frases coerentes dormi a maior parte da exposição
ouvia sobre hjelmslev plano de conteúdo e de expressão mas acho que isso de expressão hoje é mais sobre
olheiras horrendas. insônia, choro, vômito matinal. óculos escuros. tala de tendinite mas não era tendinite.
uma amiga me sentiu artigo frágil e trançou com os dedos macios o cabelo que não sou capaz de pentear há uns dias
minha cabeça formigava de saudade desses toques de zelo
de manhã você me deixou entender que não gosta de mim há um tanto.
vago.
na verdade nem mesmo disse me sobra interpretar tuas dúvidas e esquivas
eu sou obrigada a saber o que fazer com elas você nunca toma decisões, é uma jogada muito inteligente sua
acaba que parece que sou eu que fujo constantemente como uma histérica
e eu não aguento mais nenhum dia nesse não saber o que fazer de nós. pra você uma brincadeira de queimada, pra mim minha vida.
menos cedo disse que talvez pouco talvez ainda sentisse algo por mim, mas que racionalizava e o correto a fazer seria se afastar.
é dura tua tortura mas
você tem essa sutileza, essa elegância sofista em ser terrível.
gentilmente cruel.
você não tem que me dar o que eu quero. não tem que ser o que eu preciso. mas depois de anos nem sequer buscou no google como lidar com alguém em crise de pânico ou ansiedade
e enquanto as obsessões me espancam você desvia dos meus pedidos de socorro apoiado na desculpa de que eu me faço incomunicável, de que não sabe mesmo como proceder
eu no chão agonizando e você espectador
mas eu nunca pedi que você fosse um pai ou um terapeuta
eu apenas por favor quis sua companhia
eu achei que você entenderia que nesses momentos a mera tarefa de transpor essa agonia em semas é quase impossível
eu só consigo tentar me findar.
te idolatrei.
tua infancia teu passado tua história.
tuas leituras teu conhecimento teu raciocinio.
teu equilíbrio teu impassível tua calma.
teu sexo tua carne teu muito além.
te fiz um busto no meu colo.
te pus nos braços. nas costas. nas mãos. na pele e sob ela. no sangue.
no orgasmo e na falta dele. porque você me comia e expelia. eu era uma merda pra ti.
você me comia como qualquer refeição barata. e eu me nutri de ti.
e eu te incorporei etéreo. e eu te vi macro cosmo. cronos. deus.
abandonei minha fé pra desacreditar do teu lado, fundida a ferro do teu sangue.
eu fui ateia quanto a nos apartamos. mas cria que você jamais, jamais, me esquartejaria assim, aos cacos. eu cria fidedignamente na tua verdade no teu caminho na tua vida quando você dizia que seria também a nossa.
e meia dúzia de semanas depois - você já não me queria tanto. já não me beijava a nuca, já não me cheirava o sono.
eu dormia evitada. rejeitada. revirava no noite pra te contemplar a face tranquila, angelical só por acidente.
você era outro você tinha outra. mulher. face.
não precisava ter sido assim.
quis te arrumar justificativas, te perdoar.
porque eu queria que fosse mentira e que ainda fôssemos possíveis.
então me culpei, me culpei por ter engordado, por ouvir músicas que você achava patéticas, por ser ingênua e criança tantas vezes, por me vestir estranho, por não fazer seus amigos rirem, por ter depressão e estar quase sempre triste e introspectiva.
por não beber destilado o bastante, por não ser capaz de sair sempre que você queria, por ter medo da rua e das pessoas, por não ter me formado ainda, por não ser uma menina foda, gostosa, cool.
por não ter uma mãe liberal, por não morar mais perto, não saber dirigir, não ter um emprego, por precisar tomar tantos remédios e fazer terapia, não saber tocar e não entender nada de rock progressivo, por fumar demais quando ansiosa, por querer um restaurante ou um cinema de vez em quando, uma praia, algo saudável.
me culpei por tentar mudar nossa rotina já que você interpretava como cobrança.
me culpei por querer um pouco mais de atenção cuidado mimo, porque você só lembrava que gostava de mim nas férias, quando tinha mais tempo ocioso.
eu sempre soube que não era nada do que você idealizava pra si, seu ego é imenso.
tão inteligente e engraçado, cheio de teorias, de argumentos, de piadas.
você é tão bonito. fácil te querer, é um dispêndio ir embora.
uma vez, no início, quando tudo ainda era boniteza, você me disse que só poderia dar o que fosse capaz de pegar de volta.
você nunca foi comigo. sempre esteve à parte, protegido, em segurança.
e mais uma vez me culpo por não suscitar em ti o risco de sair da sua zona e conhecer o que é se entregar absoluto a alguém.
eu te amei puro e fiquei puta demais com isso. eu te amei limpo. eu te amei bonito mas você achava bizarro. era só meu jeitinho.
lembra? lembra a primeira vez que me mostrou echoes? era o cúmulo do escuro e estávamos vestidos só um com o outro. você disse sempre se emocionar com o final, a última nota que fecha, a mesma que inicia.
eu sou aquela sua última nota.
te vi no acostamento e desci correndo do ônibus pra dizer que ainda te amava assim. tremia até sob as unhas.
voce nunca, jamais, me notaria na rua.
você nunca notou o quanto eu me decompus nesses anos. zeros fora.
na zona psiquiátrica, um horror de branco aos montes, você foi me ver no terceiro dia, frio, imparcial, evitou meus beijos. disse que viria no dia depois de amanhã. nunca mais.
depois me procurou no ano novo. e como eu não sabia te dizer não, aquilo me fudeu tanto que eu dormi sem ver os fogos. e você numa festa.
só quero ir embora. me deixa ir embora.
você só me obriga a isso negando intenção.
abril 2019. você disse que eu não tenho coragem de enfiar uma bala na cabeça.
setembro 2016. te garanto que nunca nos conhecemos.