mise en abyme
Clichê em colchetes. Gostava assim, de ouvido: clichê em colchetes. Sempre de ponta nos solilóquios (e portanto prossigo odiando) o cigarro aceso, paulatinamente consumido. Ai, como eu não era o que você queria.
Papai, adivinha o que eu tenho pra você.
Refluxo essa culpa pelo trânsito dos outros, parece que os seguro pelos ombros os dedos em agulhas e lhes arreganho a boca. sopro tóxico goela abaixo, e então esse olhar como se eu fosse um edema: mas isso sou eu ou mas isso sou eu pra você?
Esse verbo ser primeira pessoa presente. tem algo errado com ele, você sabe. É histriônico, tem mania de mentira.
Voce me atrapalha! Você me dificulta a pessoa.
Substantivo próprio. Número agência conta. 22 anos só mais dois no fórum e você pode tocar fogo nos arquivos. Será mais ainda como se eu nunca houvesse existido. Como você consegue? É surpreendente esse exagero. Tudo que você faz é colossal e eu nem mesmo tenho notícias suas.
Nuns fins de ano uma mensagem descuidada contra-ortográfica colada de outras janelas, algo sobre felicitações. Consigo? Consigo respirar fluente no fim de ano? Além de tudo, ainda você?
Sequela, sabia? É uma fome inafiançável, me obriga a buscar o veneno o genérico o pútrido. eu não fui muito mais do que rompida depois que você me deixou pra viver. 19 anos depois ainda te buscava no escritório no apartamento no perfil no puteiro e tudo. Não podia ser esse o tu. E não é que era? Só quem é também tua filha aprende, filha do despejo do ele ausente da dêixis do abismo no espelho.
Essa no espelho, a cara caída e ainda desabando te recriando sem jamais saber. Que é isso? Essa do cabelo cor de ti, essa que tinha a tarefa de ficar sem e falhou. Essa se pintando pra não te ver. Essa que fez homens de socorro. Essa que fez homens de pontes passarelas viadutos avenidas aeroportos artérias até ti. e deu no que deu.
E essa redoma de espelhos. Um cercado infantil de reflexo, do que trata essa caricatura mórbida? Eu quero sair, qualquer gueto qualquer varanda qualquer cobogó qualquer furo. Vou caçando os furos nas paredes, nos peitos e me enfiando, só não posso mais com a vultice no vidro vivo. Infinitos desses teus abandonos imundos diante de si mesmos. Encalhou aqui uma vez um boato de que você era um sujeito perseverante, determinado. Interrogo se fui a exceção.
Sempre que chove quero saber como é a garoa daí. Menina tentei te imitar sem conhecer, depois precisei botar boneco, chamar atenção, aparatos e adereços, você ainda deve cogitar macumba e loucura, menos querência.
Agora mesmo no chuveiro me cumpro mulher, não fui nunca você. É isso. Não fui nunca você. Mas vivi tua vida. 22 secas. Eu ponho música enquanto isso, aposto que tu emendava extensões nos anos 90 pra por no on o rádio. É sadio, né? Você é. Dizem. Continuam dizendo.
Continuam dizendo.
Continua o chuveiro.
Continua a música.
Continuam os espelhos.
Continua o chão do banheiro. Amparando amplo. Esse clichê que cai.