ad feminam

consinto.

ponto final, consinto,

modesto verbo flexionado de fim em si mesmo

sinonímia de perdão


pois caro custa uma vida 

de ser produto em liquidação.


(ele lava o pau e é um novo homem de antiquíssimos hábitos

e eu sou caquética e gasta

ainda aos trinta)


consinto pois não haveria como não fazê-lo.

proclamo um “sim, senhor” porque um contrário nunca foi real,

e são os estereótipos das escolhas 

que fazem meu trabalho sujo.


sempre foi a devassidão e a tara;

e agora me ousam vir 

com uma tal liberdade.


eu alvo de homens infieis 

cujas esposas infelizes já não os esperam 

pois me inferem na cultura —

que eu sou a classe destinada a servir

(como um paliativo conveniente)

ao mito do tal direito masculino 

de obter sexo.


o meu sexo não é o sexo conhecido;

o meu sexo não é um a dois.

o meu sexo é um objeto exposto a todo preço — 

passível de ser pego e retirado de mim.


entenda primeiro que

as garotas exibidas nas vitrines suburbanas 

atuam como discretos programas sociais 

maquiando razões pendentes

cuja discussão ameaçaria a crença e o capital. 


não é sobre sexo.

o que fazemos é satisfazer suas necessidades de violência.


pois

comigo ele pode a qualquer hora

(sou indiscriminadamente disponível e pronta)

pertenço à classe das criaturas liberadas para o uso

que enfatizam a liberdade dele — 


pois sou eu que realizo seu sadismo, 

é minha a obrigação de performar 

o que mulheres reais não são.

comigo é unilateral 

uma vez que não é preciso meu gozo. 

ele compra mais que meu tempo: 

é dele a minha permissão incondicional. 


ele é perdoado pelo direito do consumidor

e por isso enfia exatamente onde e como dói. 

eu aceito; pareço pedir o cuspe e a surra. 

em mim ele possui todos os buracos — e cria outros

e esporra minha cara como quem descarta o lixo no lixo.


a mim a lei não contempla.

sou à prova de empatia

imbuída de status amoral.


aqui dentro ele pode se amigar do crime, 

e continuar assegurado como cidadão de bem


ele lava o pau e é um novo homem de antiquíssimos hábitos

e eu sou caquética e gasta

ainda aos trinta.


consinto. 

quero isso ou eu preciso?

é fome ou tesão?

era muito nova ou muito puta?

é escolha ou coação?

conheço o medo? 

eu sei que conheço o medo?

mas

como posso saber que conheço o medo

se o medo é tudo que eu já conheci?


jamais fui como joio que brotou de súbito 

nos interior de cabarés vagabundos

ou nos pontos das esquinas escuras

(embora ainda assim

siga nômade e sem lar)


eu fui inventada.


eu venho do tráfico — 

não esse do pó envolto em papelote 

mas

esse das bucetas envoltas em mulheres;

e vou ao tráfico 

pois ser mulher ao redor de uma buceta

só se faz moderadamente suportável sob efeito

do pó envolto em papelote.


a filosofia é o máximo torpor.

o meu — moral, intelectual, sensível;

o seu — estrutural.


não passo de biologicamente humana,

ao passo que no social não sou pessoa.

— e sim mera propriedade barata de um locatário.


na cabeceira eu trago uma imagem de Cristo, talvez da Virgem.

e na memória uma vasta coleção de defuntos 

— sacrifícios —

minhas amigas e companheiras. 

meus filhos em ventre.


em algum cantinho escuro

antes da esquina — uma vitrine suburbana,

bem antes do virtual à prova de tempo,

houve meu sonho de querer.


aos quarenta supero minha expectativa de vida.

acontece que consinto em paradoxo —

meu “sim” não tem um “não”,

meu consentimento não conhece a recusa.

 

e quanto à morte — 

morremos muito antes de morrermos e ainda que morramos

perduramos forçadas 

destituídas do direito de partir e eternizadas 

no gonzo cibernético de vadias esfoladas

cuja tortura explícita — duríssima 

não provoca outro movimento

senão o da ereção

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