não pense que a linguagem iria tão longe
quando chegaram foi sem consulta, grandes largos e lustrosos como torres de marfim. quando chegaram trouxeram junto o teatro dos traumas
e o consenso superestimado
de que não era nada mais não, que era coisa de criança.
sim, é mais provável que fosse.
nasceu eu era miúda, talvez ainda um símiozinho pré-verbal (embora digam aos montes esses olhos que tem todo filhote), e isso explicaria porquê precisei por dívida inata montar as palavras — porque não, mesmo depois de aprendidas e comercializadas elas não se expuseram a meu dispor.
ainda hoje é afeto passional, eu as obrigo e elas se contorcem — e putas se drenam os órgãos, se dão secas e ocas. que eu faço com os invólucros?
codifiquei apenas. ainda vetada ao diálogo, uma vez que o sensível e o conceito são de ordens distintas, uma guerra antiga.
é um mistério ser possível ponderar sobre os riscos e ainda assim mais uma criança acabar inventada. me choca como algo acontece de ser tão frágil, como verbete cartilaginoso do vulnerável
como algo chega de pronto a compactar no seu primitivismo o comprido curso adiante
e também como é possível não acidentar o processo já que basta uma distração vulgar pra condenar o depois de amanhã dessa criatura
mais do que sei é crônica, tantinho vago relato de outrem, porque se lembro é pálido e sob a ordem de uma esquiva subliminar, “melhor não.
te basta as palavras que deram,
não queira assumir a via do personagem
foi feito”
por isso a arquitetura erguida sem quaisquer mãos, que vem à tona como lenda — imune ao acesso. hermeticamente coesa, uma matriz que o soco não alcança, eu diria feita de ódio mas o ódio em si já é feito de um mais-abaixo de medo
e embora enrijeça quem abate, o medo mesmo é maleável — e por isso se combina vário e criativo, com o dever de distorcer tudo o que casualmente se apresenta. se vira em ataque e barulho, furtando o brio, e deforma até que os produtos não sejam mais julgados como seus primogênitos, mas sim como peçonha à prova de compaixão. sim, medos crescidos são opacos
e são oblíquos
não pense que a linguagem iria tão longe quanto um penis, não pense que a linguagem iria tão longe
não ouse pensar que a linguagem se enterra um radical. por isso eu tenho metáforas sob as unhas, nessa rotina de abrir as covas dos termos natimortos; tal esforço todo porque derivo das sentenças
sim, sentenças subordinadas e capitais
que permaneceriam confortavelmente ignorantes de si por toda a vida.
nem notei me tratar por “ela” ou que qualquer mecanismo implantado assumia postura de dogma — nem mesmo atentei à minha sombra tão curvada
e claro, essa consciência é forjada, artificial como uma estação intermediária onde eu apenas me empenho em trair o que opera como instinto.
sim, eu posso reconstruir cenários inteiros e proclamar essa outra disposição, mas continuo fincada sobre o chão inconsistente. insistem nesse realismo ingênuo, como se — exatamente como se — não fosse a verdade modulada pela mediocridade sensorial
como se — exatamente como se — em mim não fossem sinais quaisquer estalos e eu não extraísse os padrões fazendo da vigília um incondicional, prostrada ao alerta (à toa), mas já crente do atentado.
sendo meu livre-arbítrio só inferências
essas grossas placas pré-históricas que poderiam ter sido fixadas por qualquer Caído; que eu não valho, que eu não caibo, é isso? é preciso sintetizar pela repetição, não chega pronto assim, é caso mais elementar.
que eu não valho
que eu não caibo
é isso