[o estupro não se basta]
o estupro não se basta
como um ato
passível de fim quando terminado.
continua
depois desse homem satisfeito,
depois de limpa e amolecida
a arma biológica.
continua
depois que se emudece e cansa
de tanto espasmo
esse manequim flácido
incrédulo — mas também inacreditável
pasmo
o estupro é além e após —
o que é isso
esse mais-que-embargo
de uma tez de embaço
sem nome no dicionário
continua
depois que some o sangue
e se fecha a ferida anatômica.
continua depois de confesso
depois do passado, insistindo
em não virar antigo.
não cessa no assalto.
sina de símbolos aquém do cognoscível
em que o corpo hiper-atento
alarma a qualquer trisco
mudas daninhas
de um sensível encardo
que não alcança transdução
(típica cardina
daquilo que não pode ser extirpado)
— e sete anos após
eu ainda não sei onde limpar —
é uma memória que não vêm à lembrança
que resiste intracelular,
armando o corpo de esquiva
ainda que se finja o corpo na rotina
fiel pavor
que não se cura
do apavorar
falecido o tato comum
e infecta a recepção
os prazeres um a um
se abrem mão —
juntinhos e crianças ainda
foram enterrados
os meus sexos
em vão — não há carícia admissível
mesmo se desejo ternamente o desejo.
recolho a pele
em contra-ataque. em contra-contato.
repito
tudo bem,
não custa nada um pouco de você —
(até ter de dar o que quer
que eu não queira)
pra enfim retornar
pródiga de ânsia
me obrigar ao chuveiro
lavando e esfregando e ardendo
e ardendo seco
cumprindo rigorosamente o dever
da ferida aprendida
pela qual insisto em pedir perdão
supremo discípulo das reticências
o estupro
é essa pena capital — e monótona
como a infinita série
de uma dízima periódica.