onde o seu verme não morre, e o fogo não se apaga
um para-sempre parcelado
solilóquio polifônico de um falso regaço.
não pisam as virgens nesse altar.
apenas o corpo e o sangue
que serão entregues por nós
nada menos sacro,
ou destituído de livre-arbítrio.
sim. temos a inviolável liberdade para escolher —
dentre a fúria ou a violência,
sumo sacerdotes
do sumo sacrifício
um ato solo cuja
via crucis reformulada
consigo mesmo não acaba
depois de acabado o ator
(órfão de qualquer anúncio trovejado)
e obrigado à ressurreição,
vindo aos demais como personagem imaterial
fruto nato da especulação
que projeta e projeta
na oralidade e escrituras proibidas
no imaginário, sim, nas fantasias.
e todos ouvimos falar das mães.
e em como nelas se detém
no mandamento de não tornar
a própria dor uma outra
rebentos e arrebentados
ao ninar das lâminas de supermercado
aos venenos prontos para ratos
às drogas prescritas
convertidas em armas químicas
e não mais, e não mais
pois qualquer dignidade não nos diz respeito.
um descuido leigo
por um mililitro ou milímetro
e a sequela faz seus espíritos
de fracasso, de invalidez
de estigma
num império de sujeira se resume
quaisquer saídas à vista;
e no horizonte
quanto sangue espirra de um pulso
quanta carne se rompe do expulso
não, não aceito funcionários
perversamente incumbidos de arrumar minha desordem
dessa vez explícita e pública
pontual irracionalidade covarde
é a causa inferida —
um dogma
em verdade em verdade vos digo
nos formamos mestres das hipóteses;
equações sobre o desafortunado que encontrará este casulo pretérito
em peça vulgar e grotesca.
cálculos sobre os metros quadrados
mais proporcionais ao impacto característico
da gravidade que tomba impiedosa os sistemas finalizados
da gravidade que marca a descoberta fulminante
do quanto um deus pode não existir
(todos se tornam crianças
diante de carcaças dependuradas)
afora que a insegurança é um obsessor atemporal;
caso o salto não cumpra o divórcio com a espinha
e então por milenares instantes a monstruosa asfixia.
caso a incisão não se realize vertical o bastante
e então o retorno aos mesmos pontos e retalhos.
doses superlativas só são um sono gentil nos sonhos.
e nem os mais modernos arranha-céus
garantem esmagar as vértebras exigidas.
sobretudo temos fé.
marcamos aleatoriamente no calendário
quando a dor for maior que a maior dor.
e rascunhamos algum bilhete
na ilegibilidade da injustiça
de selecionar as derradeiras palavras (incapazes per si)
para tudo o que jamais será pronunciado
atar-se ao dever da descendência
é resquício evolucionário.
diante da certeza do irremediável
o pavor ultrapassa ele mesmo
num menor instante perceptível e incontável
quando realiza-se que de fato o arrependimento não mata —
é na verdade o último a morrer.
assim, somos determinados
a cogitar que talvez, sim,
eles estivessem certos
sobre estarmos loucos.
e foi necessário roçar o longínquo concreto
para alcançar também a lucidez:
a ilusão do desabrochar espontâneo
da outrora intangível cura
no caminho vertical e irrefreável à via pública.
era possível —
e não se soube até não ser mais.
hormônios sofistas
e instintos básicos
seriam os advogados de deus
e enfim a colossal ironia
de alguém ter de reconhecer o que você não é mais
quando nem mesmo você, ainda sendo, não foi capaz
a espiral dos trâmites legais do obituário
com sua causa mortis oculta ou falseada
até o ritual do corpo fechado
reverter a rigidez e arregaçar o fragmentado,
varrer as entranhas. ungir com formaldeído
fica a cargo da tradição
o ridículo dos caixões talhados
a cerimônia rica de carpideiras
os floreios oratórios e mesmo uma coroa.
ousariam corromper com maquiagem minha palidez e inchaço
me vestiriam de algum tom do tedioso branco
rendas ou plissados
definitivamente um tecido fino
e um suave rubor nas bochechas
sublimando a sugestão de inocência
de quem jamais faria isso
ou talvez o que eu tenha sido
estivesse destroçado o suficiente
para haver uma fronteira no adeus
e vocês estariam de preto
cumprindo a promessa
de nunca combinar comigo
e chorariam brevemente esse mito,
coincidentemente chamado pelo meu nome,
que fugazmente desbotaria.
implorando que do lago de fogo que arde com enxofre
eu fosse poupada
e não urrasse junto à besta e ao falso profeta.
pois juram que perecido o corpo
perdura minha alma amaldiçoada
debateriam os porquês
embora a prévia conclusão seja incondicional:
não era o bastante para tal
incrédulos chocados apenas pelo método.
existe algo de muito romântico no suicídio, você sabe
mera menção a mim traria censura
um medo etéreo, espécie de
profecia das pragas
converteriam minha ideia no próprio gatilho.
e embora rentes à superfície
selados também seriam meus pecados sob a terra —
e eu finalmente me encaixaria
uma vez primeira
cabível e proporcional.