ETIM lat. labĭlis,
não perde tempo, não perde oportunidade, qualquer maneira um pouco neutra e potencialmente amarga — embora não se conheça bem o gosto uma vez que destrona os cinco sentidos —, o raio gelado difuso centro ao peito, ai se fosse outro dia. se fosse outro dia eu teria rido, mas é hoje e eu não percebera até então que esse dia era hoje.
dias turvos de um chão volúvel, qualquer arritmia remexe e desarranja, perturba a superfície virginal. e acontece de eu atender ao chamado determinista, de súbito nunca na vida conheci deliberação, me prostro ao posto frenético de alvo. a única coisa que sei ser é vulnerável. não, nunca me aviso. me explicito pulsando em vermelho enquanto intercepto as banalidades e sei que serão retorcidas pelo que existe em mim mas que não sou eu mas que posso vir a ser, terrível isso de não ter talento de selar o primitivo. fica muito fácil achar as vísceras em mim, é quase obscena essa disposição fiel ao prolapso, pendurada e coagindo ataque por tanta negligência. não me eximo, afinal o que tende a desabar pode ser apanhado, acontece que em certo ponto me emancipei da dinâmica. pesa. não o que cai, mas o que empurra, afinal são só 300g de coração.
então durante meu desfile de descarte descobrem onde atingir e tombo atrás de mim; não dói porque a dor anterior anestesia a novidade. há meio segundo você reluzia e em seguida tudo-o-mais parece puro ultraje, a satisfação desbota como um colossal mal-entendido, me enganei sobre o rútilo e a eutimia (talvez sejam eles gêmeos univitelinos), profanei a natureza com esperança e neurotransmissores sintéticos.
sim, eu apenas pensei ter sentido ternura, tenho que me acostumar com o alucinar de que as vozes sumiram enrouquecidas.
quase sempre é sobre a terceira pessoa do singular da vez, e eu faço de novo, a coisa de trair a deixis. isso aí pelo qual eu tanto traria abaixo monumentos por — é bem aquilo de amolar arquejo.
é essa a espécie de atenção modulada pelo vício, em que para nada além se desvia assim como nada além é autorizado a reclamar existência — as demasias se negam a se fazer conscientes.
você precisa entender que não adianta que eu prometa, ou será sempre uma mentira antes de ser contada. não é como se eu pudesse acertar os freios de primeira, usar os pronomes recomendados, agir sob gestão terapêutica; sim, porque eu faço parte da decoração desses consultórios desde os 9, mas até então a incisão dos remendos não foi tão profunda quanto minha natureza retalhada.
o foco exclusivo não só mira como dispara, não só dispara como se ramifica — em qualquer outro incômodo passível de ser reavivado, e percebe que eu nunca resolvo nada, abandono os colchetes abertos. então, afiado como só aquilo que é indesejado pode ser, me atropelo contra a trigésima e apocalíptica ameaça à integridade do dia, e desprezo ideia de destino ao mesmo tempo que cumpro a inscrição biológica de ser meu próprio punhal.
nessa polifonia você me narra seu sonho ignorante das metáforas, lembra — havia um pequeno caixão branco no meio da minha sala; ele lá, modesto e puro, sem talhados ou identificação. uma pequena caixa onde inacreditavelmente cabem e descansam sem pressa os planos freados. os planos e seus embriões jamais sabidos — aliás, onde se enfia o que foi calado?
(eu espero que depois eu paire no ar denso
vocês todos me querem extirpar a ferina que se fez ventre)
nem nos quartos, nem na cozinha, nem nos banheiros. gabriela e uma interrogação, você pede, eu arrepio atrás dos azulejos. falta me achar em um último lugar, você sabe sem querer saber; lambo à distância teu medo transpirando. é muito pequeno, escuto que você pensa, e em alerta espia o interior do cantinho mórbido. tudo bem, eu pisco, eu preservo um outro amorzinho aí. você sua, o ar umedece de susto — você se afoba com meu choro, pede que eu rompa com o hábito e limpe a intrusa mancha de sangue seco no rosto. eu crio ferida em fendas e você me diz que lave, que vai infeccionar, que quer agulha e linha outra vez; fazer jus que eu sou remendada, cada conto aumenta meus pontos. você lava o rosto, se encontra um pavor só no espelho, lava o rosto. então me estico pra fora do manto de azulejos, atrás dos espelhos — atrás dos espelhos é meu lugar preferido — me cubro inteira de preto como uma viúva movida à noite, você não sabe o que eu quero dizer com o que eu digo. te envolvo com toda matéria de que disponho, ferro contra ferro não se cancela,
te engulo com os membros agora espichados na urgência de você ser ainda criança como eu também fui — mesmo que nunca descubra. criança que os outros enfiam em buracos aveludados e caixas graciosas desculpados pelo batismo de proteção. pura e madrepérola, me disseram, e eu respondi que não, senhor.
uns poucos dias coniventes eu pareço ter sido graça desde que o mundo foi parido; como um verso que se convence do mal-entendido. sim!, eu posso me manter exatamente na trilha dessa exclamação, não é tão dispendioso quanto era ontem. como houve concórdia comigo mesma sobre o absoluto do inexequível? ontem eu era irrevogavelmente terminal, lembra, nada mais que um desengano cadavérico atado a uma cama e prorrogado por psicotrópicos — mas desse plano a luz desliza como um destino pronto, tão óbvia quanto as saídas dos becos, o clarão nos entremeios dos túneis. como se a burocracia de atar estados fosse uma brincadeira já brincada.
sorrio a graça de todos os tombados ex divinos. sorrio como um trocadilho. exato ricto rijo de um cadáver já resoluto depois da notícia, da cerimônia, do luto parcelado, bem de quando quaisquer orações passam da validade. enquanto os cantos da minha boca tremem o que é isso e afinal, por hábito, escorregam derrotados.