...como trama da comunicação

 de interdiscursos e dialogismo constitutivo,

como mais de dois espaços
ao mesmo tempo
espessos enunciados
que não se encerram 
quando materialmente terminados.
a mão que pontua é a mesma 
que me circunflexa
a garganta


da proclamada intenção de findar
toda a existência consciente
ainda desperto.
e eis que levanto,
feito bicho atropelado na rodovia.
descalça,
ensaio a marcha
fúnebre até o reflexo e
cravo
as unhas
na pele canela,
lavo o rosto feito inteiro
de desgosto,
engulo aos montes alguns pães
(deveria me alimentar melhor)
bocejo enquanto a omoplata esquerda
lateja
(deveria alinhar a espinha)
acesso de tosse e arranham espinhos
(deveria largar a nicotina)
lavo a tal orquídea única
violada e sem música,
até inchá-la
(deveria metê-la em soda cáustica)

do subsolo, assisto
o progresso dos homens de mérito
em seu cotidiano tipificado
ignorantes de seus privilégios
de nascerem já passos à frente
do subsolo, assisto
o jogo natural dos quadris
das mulheres que possuem corpos próprios
deixando a academia suadas e em rubor,
cumprindo metas do dia planejado
unindo saúde e estética,
elas adentram seus carros,
elas devem ter minha idade,
e pouco conscientes de seus tônus
elas se movem à frente e partem
e eu permaneço de joelhos 
com suas pernas na cabeça
fedendo
à fumaça, à
ferrugem,
farta, fodida,
e mal se pode dizer de mim
mal-aventuradamente viva

como sonhos e planos demandam muito espaço e
estreitas demais são essas paredes,
mal posso envergar os braços e
estreitas demais são essas paredes
esmagando meus órgãos e contas bancárias,
ambos falidos

eu pronuncio "morte a mim"
gramaticalmente correto em vários idiomas
mas, pensando bem,
se forem atentos às minhas linguagens além,
como o menor dos primatas que
se agarra à mãe,
o mesmo faço eu à vida

ainda
que no cerco do silêncio caibam
o abandono paterno e
a zombaria equivalente dos consanguíneos;
o pânico que despontou aos dez;
o corpo elétrico que o estupro, com outro nome,
me furtou;
o cárcere-surpresa, pois a raiva não é higiênica
ou autorizada,
e entre muros azuis e brancos,
o abuso sexual do tal monitor;
o binge de álcool e benzodiazepínicos
apenas
algumas sextas
atrás;
as medicações diárias
rigorosamente engolidas;
os retornos no psiquiatra
marcados e
devidamente comparecidos,
com todos seus ajustes e substituições;
o compromisso mensal na farmácia,
os efeitos colaterais soterrados
em justificativas legitimadas.
a insistência fanática na psicoterapia -
apesar da desistência e desimplicação
dos profissionais -
as duas graduações simultâneas, o bom rendimento acadêmico;
os gritos e destruição de patrimônios privados
que desloco
para o vandalismo ao meu corpo público.
o acorrentado e os maus-tratos ao cão dos impulsos.

para ouvir
"você já está assim de novo"
enquanto busco um pueril ritmo cadenciado
que me traga algum conforto e nino
me balançando para frente e para trás
enquanto arrasto o cão de volta à masmorra

das mães não é permitido
o mais denso dos pecados
de sentir delas raiva.
ainda
que esta mãe
seja obcecada pela discrição e anonimato
e promulgue leis regida pela vergonha
e contenção dos meus picos
para que jamais sejam notificados
por nossos vizinhos.

das mães não é permitido
o mais denso dos pecados
de sentir delas raiva.
ainda
que esta mãe
cuja ingenuidade lhe fez abandonar o lar
e ocupar, ao mesmo tempo, dois lugares
(nenhum deles comigo)

irremediavelmente rígida
quanto ao vulgar que é a polêmica e a revolta
(ainda que justificada e necessária)
e autoritária
sobre ser legítimo esgotar todas as energias
negando generosidade
quando ao desgaste óbvio

ter se permitido apagar
gradualmente ao longo dos anos
sem intervir
ela diz: se aprende pelo exemplo
então foi esta mãe
que me ensinou a tudo temer
e agora me pune
por manifestar tamanho
medo e covardia
e se assim o é
enquanto decaio pétala por pétala
ela já está
murcha e fechada.

e esse ódio que
não me é permitido elaborar
é re-direcionado ao único
asilo que me é possível:
meu corpo atônito e prestes a rasgar
os ares
— interdito nos céus

foi ela quem subverteu o deus do tempo
tingindo o roteiro de vermelho e
reclamando quando mancho os cantos.

e mesmo assim eu garanto
que é ela a melhor
e mesmo assim te amo
tanto
quanto ainda posso suportar
e, sim, essas afirmações todas
são verídicas
pois ela sempre foi de estar
em dois lugares
ao mesmo tempo

e mesmo que me digam "sê forte",
é ela quem me diz que os fortes
são aqueles sem
cada pausa para descanso

então simultâneo
ao meu pronunciamento solene
"morte a mim"
gramaticalmente correto em vários idiomas
pensando bem,
atento às minhas linguagens além,
que paradoxais
sabem que o entremeio de pausa,
descanso
seria apenas essa minha
rima com "alívio"
de pronunciamento imperativo


não é sua culpa, não é sua
culpa, não é sua-
eu repito até
nos convencer
que se há culpa, é ela
polifônica

interdiscurso na escrita
cursiva curvada
à esquerda
ainda que eu encerrasse o monólogo
na mão que escorre e larga
a garganta satisfeita
jamais saberiam o que
macros
eu pretendia dizer

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