20 de setembro
criaste o luto do abrupto
feito muro
que se ergue perante um veículo
que tu mesmo empurraste.
e usa de toda tua força bruta
para findar a si mesmo.
eu, como teu câncer
também senti a extinção.
mas vives tu, ainda. no desalinho
nos micro objetivos voláteis
que despontem qualquer raso gozo.
não carece de muita burocracia -
uma lisa sombra feminina que se estenda
sobre a tua cicatriz e pergunte
sobre ela. já te basta.
inventaste o luto da costela.
e eu o gestei ectópico.
pari sozinha, às margens
dos teus supercílios
não pude segurá-lo ou dar-lhe o peito pois
o luto é uma existência
que se nina com os braços vazios.
saíste deixando sob meus cuidados
a incerteza fúlvia de um retorno futuro.
deste desculpas incognoscíveis,
me obrigando a elas decodificar
como prova cabal de amor.
não me convidou
para o centro da festa.
chamaste outra a pôr
os pés sobre os teus
e não te sobressaltou
a forma diferente por onde deslizavam
tuas mãos. era a loucura da fome
e foste sempre um organismo subnutrido.
esperei a receber notícias
como uma mulher na janela
com a guerra entre o ventre
e a caixa de correio vazia.
estupraste o limite
até onde sonambulam as catástrofes
descendentes da ansiedade.
e não te previ nenhum passo que seja
mesmo quando pisoteavas meu torso
dormente de saudade.
a realidade revelou-se sempre
integralmente mais amolada
que uma lança trespassada contra a amardura.
das promessas de que não seriam despedidas
as próprias despedidas.
e que do adeus haveria
a farsa dele mesmo. só palavras,
permaneceu minha porta entreaberta
como quem finge que não há quem chegar
mas ainda submete-se à expectativa. talvez
até que o esporro longínquo se dê por satisfeito
e arfes tu dentro de outra, ainda perto onde podes
me roubar o sono,
fizeste do meu afeto um feitiço
a me manter invisivelmente algemada.
a teu gesto frouxo eu seria a mulher
que engole o cano frio de um revólver,
que você sustém sem engatilhar,
e suga eroticamente a própria bala.
foi preciso estar de mim enfadado
para que exercesses o crápula
sobre quem eu ouvira histórias
e julguei mitos medievais
ou alucinações das histéricas.
me reconhecias
apenas quando no silêncio das sílabas
da minha boca apenas
o gemido programado do teu nome
e a minha nudez tão genuína eriçava
os teus instintos simiescos
que, tão inapto, confundiste
como forma de amor.
não se fez necessário um comando verbal -
sustentar-te próximo exigia
abrir mão de mim mesma. sem pestanejar,
só na minha ausência tu estarias
invariavelmente comigo.
voltavas imundo e eu
te lavava os pés em água morna.
em seguida eu deitava a cabeça para ser ungida
em óleo fervente.
o teu cálice
transborda.
guardava-me como o marido
procura certos espaços
no horário de almoço.
sua mulher de consolo
preferida. por quem você busca
com os olhos avaliando
outras vitrines.
sua menina pequena
que não entende do que são feitos
os porquês. e pergunta nenhures
ao afastar os joelhos um do outro.
sua dorzinha pontada na cabeça
na jornada de trabalho, sua
cadelinha sagrada que macho nenhum
monta. sua putinha exclusiva
que te aceita
ainda que pútrido e puído
sua qualquer
que castigo algum convenceria
a arquear menos as costas.
bati-me contra tua mão espalmada no ar
e morri de querer tão somente o que era possível
conseguir de ti.
objetifiquei-me para que fosse, ainda,
de alguma utilidade, e desaparecia
exatamente sob a quentura
da tua expiração
quando teu olhar no horizonte.
a gatinha de schrodinger
castrada que atraíste para a caixa
e a sacudiste pois
contava que ali eu estivesse
enquanto os demais teriam suas dúvidas.
dir-se-á que a ignorância
te salva, pois,
de condenação.
e quando tuas mãos ensanguentadas, fora
fatalidade da minha natureza.
de vez em quando, um acidente muito urbano
e eu fico sabendo dos teus cursos.
percebo assim a irrelevância
de que só te conheci
como gostaria
mas que não gostaria, jamais,
de conhecer a ti uma vez mais.