"não deveria ser assim" –

apesar de tal certeza, é como 
se o mundo risse à beça através
do trânsito 
do trabalho
da natureza
do metabolismo
da tua habilidade indiscutível
de desejar alteridades
ao continuarem, todos eles,
a despeito

teu olhar-umbral
onde eu espectrava
a colher ervas daninhas
floreadas de espinhos
e fazê-las enfeites 

mas são inocentes as horas
e ainda que pareça imperdoável 
nada me deve a vida
no entanto, procuro 
na expressão dessa gente toda 
um traço que seja que ressoe 
com o meu
Desespero dissimulado
com a minha
Solidão abarrotada
e possa eu me encontrar pertencente por um
ínfimo momento

e você também continua, 
capaz e apressado,
bebe e fode e ri tanto quanto 
qualquer um
porque não me deve nada
não há a quem me queixar
– é o que é 
mas não deveria ser

não me cabe exigir 
meus quereres

um dia distante
eu drenaria meu sangue
para que teus órgãos 
cumprissem suas funções  
com esmero

eu gestaria teus filhos 
para que a história 
fosse ternamente invadida
por mais de ti 

eu me vestiria como eu 
consigo ser, estritamente,
em bons dias bons

rejeitaria minhas crenças 
para conservar uma fé inegociável em ti

eu organizaria meu próprio funeral
e pediria que me pintassem estética 
se você chorasse apenas um pouco

eu conteria meus soluços
para não interromper seus travessões 
para você discursar à vontade 

inventaria deus para clamar 
que você conhecesse 
o quão genuinamente foi amado 

eu seguraria seu punho em apoio
para que você arrancasse fora 
meus pulsos

eu retalharia minha garganta
para te poupar o trabalho 

e seria uma honra
e seria uma honra

mas você não permitiu
que assim fosse 
e ainda não há a quem
me queixar 

e prossegue inocente a vida
ainda que não sejamos nós 

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