BABE


de fato você andava deliciosamente frágil.


amolecia quando em meus braços, embora mantivesse uma postura rígida na maior parte do tempo.

talvez se importasse muito com a opinião externa.


mas notei que a situação piorava rapidamente, hora após hora. empalidecida e catatônica, você parou de interagir.


agora eu entendia de forma concreta que amigos são uma rede de apoio inestimável, e que perdê-los, um a um e sucessivamente, como partem os pequenos animais de metabolismo veloz, havia sido devastador pra sua integridade.


e agora você parecia descamar como um réptil delicado num aquário.


mas eu me esforçava em te assistir; de todas as mulheres, você. 

o amor mais que amor, fronteira de antagonismos arrebatadores, a urgência em te apertar em afago febril os membros finos, em arregalar teus olhos translúcidos, saltar teu sangue, teus pelos, teu grito. 


abalado também, conhecera antes cada um dos falecidos. embora me esforçasse para não construir opiniões desrespeitosas principalmente sobre os mortos, lembro de pensar que suas intimidades eram uma ameaça. demasiado dependentes e manipuladores, te ofereciam uma eterna vida entre a cruz e a espada. e você me chegava tão irritadiça e ferida, que eu espelhava teu próprio sofrimento.


você distribuía muito de si; e as pessoas não eram boas.


observava embasbacado cada microscopia do teu corpo; ultimamente você vestia tons cianos - curiosa essa interação das cores com os estados de ânimo. às vezes se pintava em vermelho. noutras apenas um espectro fantasmagórico seu era percebido. então você passou a desaparecer, como se de ti mesma tentasse fugir.


mas éramos unos. e tu em mim onipresente. insistia, como todo alicerce, tua natureza imprescindível, a inutilidade das tuas débeis tentativas de fuga - estaríamos ambos onde quer que tua paranoia te levasse. e eu traria você de volta, cuidando para que seu debater não te machucasse.


você constantemente se lesionava - propositalmente ou não. parecia ter um talento inato para o risco, o perigo e a consequência. como um ímã do crime e do castigo, te encontrava sempre em estados delirantes de perseguição e culpa.

uma obsessão por ter a quem culpar, mesmo quando não cabia a ninguém a responsabilidade do acaso e do acidente.


apontava então a mim e a si própria pela morte e pela tragicidade do abandono; pois, que fique claro: a verdadeira tragédia não é a morte, e sim o egoísmo dependente daqueles que ficam. o fim é uma dádiva - e o fim próximo, um presente da espécie.


mas você concordava comigo, apesar de maiores sutileza e caridade, que o mal merecia e pedia por punição; assim, todas as cabais provas que se desprendiam das minhas mãos ansiosas pra te ninarem convergiram para tua proteção. você precisava de mim e eu estava lá, satisfeito por ser o único com quem você podia contar. e só não compartilhava da minha razão porque se encontrava momentaneamente tomada pela doença; mas são assim as uniões: incondicionais e de votos eternos.


então deitei sua cabeça -especialmente leve - àquela manhã, agradecendo pelo frescor que permitia nosso enlaçamento. finalmente você se permitiu um descanso das terríveis ânsias e me alegrava estar ali pra testemunhar. teu semblante límpido e calmo, tuas linhas delgadas justas no corpete madrepérola. sim... você nunca estivera tão linda quanto envolvida naquela aura casta e divina de noiva, a aristocrática melancolia estampada no teu rosto petrificado. 


então chorei nos teus seios como um menino que desmama e entendi que amar era também deixar ir; lembro que você gostava de dizer isso, especialmente em ocasiões de tumulto. certamente você amaria saber que eu aprendi sua lição e eu te convenceria a ser, outra obsessiva vez, o objeto da tua paixão.


sem dúvida aceitaria porquê seus queridos precisaram partir, substituindo a ideia de perda pela de libertação. 


e enfim mutuamente sencientes, como pó do mesmo barro, eu poderia te deixar dormir como uma espécie peculiar de rosa, que só encontra o desabrochar debaixo da terra úmida.

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