QUEM VOCÊ PENSA QUE É

como, mas como você poderia entender o que são esses tais afetos relâmpagos 

que tanto falo e tanto me castram -

fugazes em sua potência de destruição 

quando você discursa inconscientemente indiferente

do alto da sua família mais ou menos estruturada e vária

tendo em mãos suas oportunidades asseguradas por um estável poder aquisitivo 

- a interrogação aqui é uma piada - 


você pisa sobre possibilidades que se escancaram e ainda assim você tem a opção de recusá-las 

e almeja mais

sabendo que terá 

pois mama com o choro e sem precisar construir o seio 


porque há aquelas, querido,

cujo seio materno foi mutilado e arrancado da boca que eternamente suga o ar - 

quando ainda suculento como fruta madura -

proibido de seu destino de secar


aquelas cujos próprios seios hoje

são monopólio de rascunhos de homens 

muito modernos e autossuficientes 

de desculpas primas primeiras dos porquês ocos daquele mesmo homem que deliberadamente trai e abandona

às vistas 

que enfia um filho já órfão e desalmado no ventre 

às vistas

e surrupia a graça de um coração jovem e desavisado

às vistas 

mas cujo julgamento como o canalha que é requer privacidade 


seios que nunca alimentarão cria alguma

pois os afetos são temporários 

e a família, um aborto preventivo


quem, que não igualmente perturbado, faria da ruína um lar

quem, que não os igualmente perturbados, 

ousaria romper ruidosamente essa cadeia


é preciso, no mínimo, um útero 

pra tanto ressignificar


porque, querido, o que você sabe sobre a loucura 

é muito infiel aos escuros becos e às grades carcomidas aonde são destinados

àqueles que diferente de você 

não vislumbram outro dia ainda quando o sol se vinga da noite 

àqueles que não detêm outro instante se não esse que já desponta acidentando 


a loucura dos filmes - célebres gênios injustiçados 

essa loucura superada pelo exótico 

a loucura dos serial killers e essa quieta delícia ao descobrir os monstros dos outros

a loucura atraente e maquiada das suas meninas -

ninfas que desabrocham a vida do protagonista

encantando seu despretensioso membro


essa loucura romântica 

muito muito bem vinda 

de charme e sex appeal 

algo entre qualidade inata e irreverente 

que não escapa de uma vontade discreta


essa loucura, querido,

não tem meu sangue traumatizado


essa loucura de estimação, querido,

não tem nossos nervos em curto-circuito

nem nossos transmissores demais ou de menos

nem nosso suor avulso brotando da testa

nem nossos dentes trincados 

nem nossos punhos que parecem nunca ter sido mãos frouxas

nem o sexo mortificado à venda - sem saber


e provavelmente essa loucura

tem medo de tubarões e do fim do mundo

mas não de descobrir o vermelho através do espelho

não das munições que podem ser as mãos e as línguas 

não da escala macroscópica que assumem seus desejos - nunca primeiro apenas desejos e sim anseios 

que secam mucosas

para em seguida incorporarem pequeninas obsessões 

e enfim vícios químicos que invariavelmente implodem todos os planos 


então aprende-se que planos já não se fazem


então você, querido,

sonha coisas para si 

sob o privilégio falocêntrico das rotinas neuroatípicas 

e de um passado que seja como for 

não é grande coisa

a roubar o sono

e impedir a marcha - que sob hipótese alguma é interrompida ou abalada


- o privilégio de não trair o ritmo -


e sua lógica linear continua proclamando

que cada uma das trivialidades do meu cotidiano 

- que me esmagam a paciência 

e acordam aquele velho ódio

(nosso primeiro companheiro) -

não são coisa boa de se ouvir

não são coisa boa de se fazer

não são coisa boa de se ser


do ato de seus afetos estruturados

perdoados pelos padrões 

que não se esgueiram por baixo da pele como uma crosta inversa -

bramindo o certo muito de acordo

com sua torre de marfim 


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