smother

você volta 

demasiado imperativa 

em seu manto oblíquo de miséria 

como a capa 

de uma velha rainha


você desperta

dentro da minha insônia diária 

e se deita larga sobre meu peito 

respira denso o meu próprio resfolegar

e concreta meu tórax contra o colchão


você retorna 

com sua fronte sem traços 

mas de onde ainda se capta

certa presunção

por finalmente poder se esticar 

em sua torturante envergadura 


e, veja - mesmo sendo mais alta que a média 

esse meu humilde corpo não te comporta 


então, travestida de natureza,

perpassa as pupilas para recobrir em grossas camadas 

as luzes que restam apenas por acidente 

- e tão veloz quanto a luz 

e quanto sua respectiva ausência -


desata criando perigo

nos tons neutros e nos rostos amigos

nas vias públicas, nos afazeres básicos 

e nos signos mais banais 


se torna tão parte das essências, 

inerente e filha de tudo

- o núcleo e também a membrana -

que, fabricando as próprias percepções e lógicas,

se eu penso 

é só através do teu domo 


mesmo os sonhos 

são só aquilo que você permite


você revolta 

mas sem deixar rastros 

como uma grande guerra petrificadora

em que convulsiono tão intestina, 

arregalada e sem piscar,

a cútis um lençol imóvel de carne,

e as mãos pesam demais 

até pra se tentarem contrariar


um coma branco

e, se quaisquer ruídos, 

apenas depois da tua alfândega 


habilidosa

você me desertifica identidade

e me sepulta no meu próprio corpo


em tal crime de mutismo 

sua privada coerência

faz com que quanto maior a dor

mais inviável sua expressão


em slowmotion

as reticências ficam suspensas.

tudo tarda tanto

à prova do tempo comum


e os braços atados nas ilhargas

são proibidos de sinalizar socorro 


dizem que, em ameaça, 

se deve gritar

fogo 


mas não.

não consta o mínimo resquício de flâmula vital

e mesmo o oxigênio 

é só um detalhe 


apenas o índigo fogo-fátuo:

única memória possível 

dos cadáveres desapercebidos


sou, pois, um títere sem graça 

com fábulas absurdas de ex-humano


você me sussurra histórias de ódio durante o sono

então me levanto tomada

e as repito tal e qual


você me faz sua cúmplice 

e discípula 

como aqueles que mesmo a par

ainda consentem

o próprio cair


até me tocar 

que essa estranha pata 

famélica e mofada,

tão proficiente no estrangular,

não passa 

da minha própria alheia mão 


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