"eu não sou esse monstro
que você descreve",
você diz, em tom de injustiça,
e eu me convenço ser sua algoz
enquanto você me apunhala
repetidamente
– e eu já nem imploro
para parar
– você me fez entender
que eu mereço
como penitência
e não permito à ferida
cumprir sua função
de me proteger
pelo contrário, exponho o corpo
disponível, no ponto,
seja abraço ou um tapa
– o que vier de você
você decreta
e falar já não posso
tampouco escrever
e em breve respirar
seguirá o mesmo curso
"eu não sou esse monstro", você diz
enquanto eu sou esse espelho que te reflete
o dobro do seu tamanho
"você está cega de raiva", você diz,
enquanto eu enxergo muito bem
os vários motivos para senti-la
"você me fez chegar a isso",
é o que eles dizem
logo após espancarem você
e te exilarem da realidade comum
e engolimos como uma verdade amarga
naturalizadas como despidas de razão
não importa o quê
"me perdoa", eles repetem
– não é arrependimento ou remorso
mas sim medo das consequências –
mas nós queremos acreditar
nós que nunca soubemos
que face ou verbos têm o Amor
eu sabia sobre esquartejamento
mas não que era possível
em tão minúsculas partículas
eu não tenho medo mas me dizem
que eu deveria ter
não sei como, mas
eu só tenho
desejo
minha única exigência
foi que você buscasse ajuda
mas agora fomos longe demais
um do outro
você é o amor da minha vida
mas isso
ainda vai me pulverizar
e as únicas cerimônias possíveis
não serão o casamento prometido
mas a de uma aia servindo ao seu comandante
e em breve
uma rente a uma lápide
"não se alie ao seu agressor",
ela me diz
e eu quero responder
que antes de ser meu agressor
é o homem que eu amo
e por ele eu daria a vida
mas essa afirmativa
se revela uma grande probabilidade
de acontecer contra minha
vontade
"eu não sou esse monstro
que você descreve",
mas eu só fui escrivã
ipsis litteris
de você mesmo