domingo
tenho areia nos olhos
irremediavelmente baixos.
frestas submersas nas olheiras
cinzas
uma Culpa anônima mastiga
sobre o que não sei endereçar.
o que fiz eu
de Errado
?
– eu causei isso eu fui cúmplice
como que pus suas mãos
ao redor da minha garganta
e ordenei a esganadura –
– sim, fui eu também.
– eu preciso pedir perdão
por não ter desvanecido,
por ter ousado sustentar
um fio de consciência –
minha boca
essa boca, ela
mãe da Imundície
Horror –
paralisante e desorientador como
um organismo em hipóxia
descrever como “sentimento” não faz jus
e não sei identificar nome
ou atribuir porquês
te procurei compulsiva novamente,
uma madrugada avulsa e crítica,
tentando acionar seus pulmões
pra que eu respirasse apropriadamente
chego mesmo a desejar
seu colo rígido
seu tom cada vez mais frio
sua risada em zombaria
suas mentiras que domesticam
seu suor forte após trabalho
sua contenção em topografia de abraço
e lembro apenas, e de nada mais,
do cabelo um manto dourado
o sinal de sol abaixo do olho, uns três
pelos loiríssimos que se destacam na sobrancelha
os dentes frontais levemente separados, a boca
retinta de rosa
o sinal em formato de pata no braço direito
a cicatriz da cirurgia no cóccix
pequenos mamilos rosados rodeados de pelos
que faziam cócegas na minha língua
as duas argolas no lóbulo da orelha
o quadril reto, as coxas que ora roçavam e avermelhavam
o reflexo dos pelos do antebraço ao sol
as mãos musculosas ásperas e os calos
nos teus dedos furiosos
– movimentos frenéticos tão teus
vincos ao lado da boca quando sorri largo
o dedo mindinho costurado que já não estica
– eu devia ter sido mais atenta
aos teus cotovelos e joelhos –
sua expressão de prazer
e o quanto eu a Adorava
– propositalmente não falarei
sobre teus olhos, a gênese
da minha Fraqueza –
o pedestal de marfim em que te pus
é a única Vida que conheço
quero o você do começo
deixada para trás
a ser criada por animais
dos mais letais e impiedosos
e todos eles sou eu
esse nível de Oco no peito,
esvaziamento o corpo seco
– estar terminantemente sozinha
com a agudeza da fissura
a me retorcer ao avesso
domingo,
Deus, pelo amor –
o choro vasto encarcerado, o Pânico
entre celas de alvenaria
– e fora a rua exatamente a mesma
a Sujeira das mãos e línguas alheias
apesar das regras de permanecer intocável
que eu destinei a mim
– como você não se sentiu assim?
esse esmagamento do peito constrito
os lábios que colam ressequidos
a taquicardia mesmo em repouso
os membros carcomidos de formigas imaginárias
– como ninguém jamais houvesse sentido
tamanho Mal-estar
é Físico, chega
a queimar a já queimadura
a visão esverdeada e pontos de luz
as mãos frias esqueço
como o ar entra pelo nariz
aperto os olhos o cenho franze
alvejada –
não é possível que não se chame
Dor
eu até preferia morrer pelas suas mãos
seus olhos mares de ódio
ou de pena, ou de cansaço – eu te entendo
que meu último batimento fosse seu
que eu não lutasse, não revidasse
– eu também faria isso comigo –
volte e termine o trabalho
que eu acabe nos teus braços
o seu Ódio
é a única coisa própria sua
que ainda tenho acesso
– herança
que você carregue meu corpo sem vida
e me abrace enquanto a temperatura se iguala
uma ou duas lágrimas
me bastam
depois, apenas
limpe suas mãos de mim
não há mais nada sobre essa Terra
não há mais ninguém me observando
me tornando coisa real
tampouco à minha espera
enfim você logo vai descobrir que não
gostou de mim tanto assim
vai sair intacto
dos meus escombros
e contar a história de uma histérica qualquer
cujo nome é o meu
e eu vou repetir a mesma narrativa
pra te proteger
de você mesmo
eu conheço bem esse lugar
que você me colocou
– hábitat
está previsto na literatura
nos desconhecidos
e naqueles que passaram
e é através dele que descubro
que em você
nunca tive um Lar
– e fora a rua
permanece exatamente a mesma