Postagens

Mostrando postagens de julho, 2019

Você morreu todas as vezes que desejou

Instrumentalize.  Faça algo com todo esse ódio, com todo o veneno que te cabe. Não ouse deixar que ele destile e escoe sem rumo, à toa,  gratuito, como o sangue puro da tua menstruação que escorre pelas coxas até o ralo. É assim que você não se deixa ser vencida. Não podem te devorar dessa forma. Se você gostar da dor. Se você fingir que precisa dela. Continue. Sinta a dor, consuma, beba. Engula o sangue seco, deixe ele coagular na garganta. Seja a maior fã da tua morte.  À primeira vez que você viu sorrowing old man pensou: que ridículo. Como isso é arte. Como isso é qualquer coisa. Como isso é outra merda senão cores espatifadas numa tela, sem sentido, tom de malária, como isso é algo que não além de nada. E hoje, eras depois, no Ceará, aos 21. Você sentou da mesma forma, na mesma pose, e viveu. Viveu a tela. O homem amarelo ou ci...

non-acceptance

nada é maior que o reflexo. o espelho é predador nato, sorrateiro, mas não é dele a peçonha. o espelho é a terra da nudez e basta que as pontas recheadas dos meus dedos toquem-no pra que eu afunde no mais subterrâneo  golpeio com a testa essa mulher perversa e odiável que ousa me parear  me arrebento gosto de sangrar das cócegas das gotas,  essa é minha aceitação  uma mulher de cara estilhaçada tanto que já não existem quaisquer votos de beleza matei uma criança e uma adolescente e arrasto seus cadáveres desgastados são meus véu e grinalda  a memória se projeta desafiante  através do prisma das íris  transita entre meus sentidos e me conforta no irreversível,  no incorrigível,  de não haver a mais pretensa possibilidade  de receber o perdão e recomeçar.
abri mão querendo ser pega no colo mas ser muito pesada sempre foi um problema "os homens querem mulheres fortes" então aguentei todas as pancadas. esqueceram de mencionar que não era essa a tal fortaleza os homens não querem mulheres independentes porque isso os transformaria em meras e espontâneas escolhas  e não nessa necessidade e objetivo delegado a cada minúscula vagina detectada no ultrassom uma mulher nunca é o tipo de mulher barraqueira, vagabunda e louca que apanha, busca amarração ou rasteja uma mulher nunca é rival da outra  até que entende que possui essa incompletude inveterada depois da primeira infância  uma mulher nunca mais será  bonita o bastante depois de nascer  essa mulher nunca será muito mais do que bonita ou feia ou puta ou decente essa mulher nunca mais habitará  outro lugar senão os esgotos dos antônimos  sua vagi...

baby blue

semana passada ele cancelou comigo. voltei aflita, e meti em mim o que pude de comida como se isso pudesse sanar ou sarar o choro quem sabe compensar a ira. eu nunca tinha fumado num consultório. me preocupo com os outros. dos outros lados,  muito depois dos muros. você se preocupa com os outros? sim. eu fui sincera. eu sempre fui. e quis chorar de novo porque sei o quanto já rasguei pessoas  falhando sincera demais com o que queriam, mas não comigo mesma. quis ser real pra eles. não, eu não posso. não, eu não tenho. não, eu tenho de te dizer não.  ele, esse homem imenso, de mãos grossas, cruzadas atrás da cabeça, descalço e despreocupadamente largado no trono ébano  me enfiava os olhos de um jeito desconfortável, torto, eu ziguezagueava pelos planos, na decoração, no reflexo da mesa, nos saquinhos de chá, na bandeija com mussarela ainda meio chei...

lávica

falo. por mim. por ela. que nem conheço. pois não preciso. porque eu sei. falo. pela outra. e mais uma. por todas. nosso exército de endométrios  que, como auto imune, sangra a si mesmo. odiamos e repelimos, e repetimos: odiamos nossos corpos  odiamos  nossos seios caídos e profanos não europeus  de aréolas imensas - pérolas castanhas pendentes odiamos  nossas barrigas  que protuberam com a idade  e formam camadas ao sentar  odiamos  nossas curvas acentuadas nossas gorduras essas fudidas gorduras centralizadas estranguladas sob cintas e disfarces tão distantes dos comerciais de abdômens lisinhos odiamos nossos grandes lábios escuros em nada semelhantes às vaginas puras dos pornôs  odiamos essas costas   de mais dobras que um livro de versos odiamos nossos sinais de mulher madura nossa baixa de colágeno os fios ...

corpo de prova

é um mau hábito julgar pelos pronomes; mas renuncio a iniciar poemas na primeira do singular. não venho primeiro. apenas sou só. outro desses falidos banhos me pegou, e eu usei os olhos em mim. e deu uma vontade de rir lacrimosa, mas rir do que foi que você fez. deixei, claro. permiti passagem estadia aluguel morada habitat zona de conforto desmatei e fundei pólis contive os pólos pra te afirmar. àquela noite eu usava um vestido fino longo e verde escuro distoante da maioria em seus trajes de calor incessante te espiei por entre as árvores e nunca me atingiu o pensamento  de que qualquer contato ali se transformaria  no que eu fito hoje com ou sem desprezo, não importa, não cabe valor eu nunca imaginei que tu se estenderia como uma rede de luz mais veloz que o tempo subordinando meu campo de defesa e ataque me alvejando e almejando (ambas coisa só) e sei lá o que eu mesma fiz de mim. ...

mama

hoje não poderia ser outra noite Lambert foi enfim libertado das correntes de borboletas - e eu consegui chorar. sofri um acidente trágico despercebido. fiquei com sequelas graves que olho nu não alcança. se eu pudesse ao menos me inundar de sangue, vísceras frescas e hematomas , eu disse, abafada em seu peito, poderiam supor de repente, volto para onde penso que nunca deixei não percebo o caminho e o que parecia melhora foi apenas torpor. alprazolans em fila  brincam com os relógios e o tempo tem um pouco mais de mim eu cresci demais e agora não caibo mais em casa mamãe tenta abarcar mas um colo não é um ventre percebo que assusta tanta dor apenas dor e não raiva ou revolta então, mamãe se desculpa  por ter sido ausente ela ainda acha que poderia ter impedido nunca se está lá  o bastante quando homens chegam - sempre vêm pra ficar mesmo depois que nos aband...

epitáfios

ele limpava o suor do copo com o indicador, absorto noutras coordenadas, e o assunto surgiu - estava lá novamente, estava lá ainda , e eu hesitei um mínimo. é difícil , eu disse. na falta de uma palavra maior, é difícil. difícil pra buceta , na presença de um superlativo. então ele bateu em retirada como os últimos caras com quem eu me arrisquei a sair. não faz sentido , um outro falou, um lado da boca esboçando um sorriso irônico, você que não sabe escolher , nem todos são assim. eu não sou, continuou, ultrapassando o limite de velocidade do carro e avançando sinais vermelhos. é do que eu gosto, concluiu . adrenalina. guardei essa palavra. adrenalina. você não poderia entender,  porque nunca está no banco do passageiro , respondi. não faz sentido, repetiu rindo roubando a preferencial e gritando vagabunda a motorista do carro que freou brusc...

superlativa

a condição é passividade. a lei é agonizar sem barulho. sem cena sem drama. eu ainda era quase criança à primeira vez que depilei as pernas e foi sempre quase criança que era forçada a deixar de ser. aos sete, descobri que a repreensão  recairia sobre quem usava a saia ao invés de sobre quem se esforçava para espiar o entremeio das coxas antes mesmo do estirão, marcas de quedas e pancadas, calcinhas estampadas de algodão... desde então não amarro os cadarços de qualquer maneira. calculadamente me abaixo, num cantinho estratégico e encolhendo os quadris - toda sutileza para não provocar as bestas. toda atenção para não cometer o pecado  de deixar juntar as sobrancelhas  ou usar apenas uma blusa quando o tecido passa a revelar as mamas apontando entre a gordura - mas a condição é  passividade. relevar os comentários ...

logo logo

não dá pra me dar um jeito o prognóstico é esse péssimo  como como se engolisse conforto e colo todos com seus dêiticos bem definidos; nunca roubei sonos  perturbei sonhos  arrepiei nucas  salguei olhos fui fait - diver de poema ou discussão entre orgulho pueril e tecla de chamada não fui destino de bêbado  minha árvore me expeliu como fruto podre. meu corpo circuito muito curto; meses de apagão após incêndio numa geração tão sintética. antes do acidente-eu bastavam apenas dois de seus dedos no interruptor odeio minha libido. todo esse fisiológico e qualquer orgasmo plúmbeo é poluído de fantasia nele o corpo dele elétrico em trilhões no fluido - os jatos de porra - nada seria tão orgânico, ninguém seria tão mestre do absoluto vácuo e  quantos buracos negros e brancos amarelos roxos carmíneos -...

meu sincero,

desinteresse sobre procedimentos básicos dessa espécie, me esqueço os pormenores. esse corpo quer ser entidade à parte, sem me atender e se por mim nada faz menos ainda farei por ele - cada qual no seu canto. que só por acaso é o mesmo. não ia te fazer feliz você não se sentiria completa  te acarretaria mais culpa, e um arrependimento monstruoso - disse quem não sou eu  quando cogito soluções  os soluços em uníssono me apontam ah, se ainda fosse possível prevenir com um ou dois comprimidos que remediar... se minha mãe não tivesse tanto me amado desde início,  delirando a lindeza simbiótica que acomete toda mãe  se antes mesmo de eu me aglomerar ela já não me tivesse construído inteira de sonhos ruídos, se não isso ou aquilo, ela poderia me poupar - e eu nunca em vida conheceria a dor  como uma praga, me nidei ao ...