mama
hoje não poderia ser outra noite
Lambert foi enfim libertado
das correntes de borboletas -
e eu consegui chorar.
sofri um acidente trágico despercebido.
fiquei com sequelas graves que olho nu não alcança.
se eu pudesse ao menos me inundar de sangue,
vísceras frescas e hematomas, eu disse,
abafada em seu peito,
poderiam supor
de repente, volto
para onde penso que nunca deixei
não percebo o caminho
e o que parecia melhora foi apenas torpor.
alprazolans em fila
brincam com os relógios
e o tempo tem um pouco mais de mim
eu cresci demais e agora
não caibo mais em casa
mamãe tenta abarcar mas
um colo não é um ventre
percebo que assusta
tanta dor apenas dor
e não raiva ou revolta
então, mamãe se desculpa
por ter sido ausente
ela ainda acha que poderia ter impedido
nunca se está lá
o bastante
quando homens chegam
- sempre vêm pra ficar
mesmo depois que nos abandonam.
um gato putrefando na sala de estar
a mancha marrom desbotada na colcha
carreiras de cocaína no mármore da pia
a solitária era fechada com uma cortina
os sons ficavam por conta das notificações do Facebook
uma após a outra
e gemidos gringos forçados
num pornô vagabundo
a menina sem rosto nunca disse não
só depois os olhos e boca começaram a se moldar
com cara de tarde demais
precisa haver marcas
apalpáveis
- abra fogo contra si
então contorcerão a cara e pensando
sobre a última vez durante uns três minutos
mama... sua cria e Lambert tinham muito em comum
eu apenas lamento tanto sobre você
que não consigo não estar lá à tardinha pra recebê-la
e ficamos, lado a lado, nada mais que emudecidas
até chegar a hora de nos recolhermos.
se eu tivesse partido antes de chegar
seus braços estariam vazios -
mas não tanto quanto eu.