epitáfios

ele limpava o suor do copo com o indicador, absorto noutras coordenadas,
e o assunto surgiu - estava lá novamente,
estava lá ainda,
e eu hesitei um mínimo.

é difícil, eu disse.
na falta de uma palavra maior,
é difícil. difícil pra buceta,
na presença de um superlativo.

então ele bateu em retirada
como os últimos caras com quem eu me arrisquei a sair.

não faz sentido, um outro falou, um lado da boca esboçando um sorriso irônico,
você que não sabe escolher,
nem todos são assim. eu não sou,
continuou,
ultrapassando o limite de velocidade do carro e avançando sinais vermelhos.
é do que eu gosto, concluiu. adrenalina.

guardei essa palavra. adrenalina.

você não poderia entender, 
porque nunca está no banco do passageiro, respondi.

não faz sentido, repetiu rindo
roubando a preferencial e gritando vagabunda a motorista do carro que freou bruscamente.

o problema é o extremismo, começou um terceiro. você é diferente,
é capaz de escutar sem julgar que somos todos babacas.

bem... na verdade, não é sobre ser babaca.
nós podemos ser coagidas ao histerismo 
mas vocês abraçam o assassinato.

tu é louca.

sim, eu já esperava por isso.
desde que tive idade pra ser culpada, eu fui louca. isso nem agride mais.

me desculpa, e se aproximou com as mãos abertas. é que você me deixa puto. não sou assim.

percebo um tique nervoso no meu olho direito enquanto ele incha. engulo o generoso sangue que me escapa do lábio. o que eu responderia? não estar surpresa não significa tudo bem.

a violência usa cores compostas muito, muito bonitas.

depois de uns anos desisti de tentar nomear as cores ou explicar porquê é difícil pra buceta.

são sempre os caras que garantem serem exceção que acabam ferindo mulheres. e muito convincentemente juram
que nunca aconteceu antes
e nem se repetirá.
foi uma única vez. nunca mais, baby.
a razão é que eu sou, ela é, nós somos,
muito, muito difíceis

esses meus roxos são imprevistos.

no início
quando os olhos se atropelavam gerando os sorrisos mais meigos
nenhum jamais faria isso comigo
ou com elas.
os outros são os outros
os outros são os mesmos
são todos inacreditáveis.
aliás, tem certeza? a mágoa pode te fazer exagerar...
mas eu sei o quanto é foda isso de machismo e tal.

sabe? você sabe?
todos eles costumam insistir numa forçada solidariedade 
que não disfarça a real intenção de me comer depois que eu te achar um homem da porra.

um homem de porra.
sabe do caralho.

os outros são todos.

vou contar pra vocês. sem esperar meu turno de fala subestimada.
essa invenção escrota. essa trincheira rosa.
é sempre olhar pra trás.
é sempre olhar pra trás.

as lembranças dos toques não permitidos. as surras súbitas. os estupros por engano.
achei que tu estava gostando.

os massacres cometidos e não noticiados, de Adão aos teus civilizados pais.

é sempre olhar pra trás -
quer eu tenha planos pra amanhã ou fuja
quer de túnica ou recém-nascida nua -

o que vem às minhas costas nas ruas
armado até os pênis
pronto a me atacar.

é acostumar-se a tecer despedidas

sempre a olhar pra trás
vai que um dia eu não volto pra casa
vai que um dia esse meu destino se cumpre
e eu sou impedida de chegar.

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