falhamos como pais 
professores médicos 
artistas jornalistas
escritores
humanos.
falhamos como gente,
como bicho e como outra coisa
que seríamos 
se não houvéssemos falhado.
e o fizemos com nossas pequenas
e fantásticas meninas,
porque, por meio de mil maneiras,
e todas minimizadoras,
ensinamo-las a serem bonitas.
e elegemos esse exterior
como o mais propenso feito de uma mulher.

"feito" porque ao doutriná-las,
tornamos essa beleza uma conquista
buscada a duras penas 
às custas de saúde e personalidade e equilíbrio psicológico 
e nunca alcançada, porque
essa é a essência dessa beleza imposta:
nunca se tem dela o suficiente
efêmera, ela mesma se consome, 
e obsoleta, suicida com a realidade humana.

ela não condiz com o caráter da natureza
docemente selvagem dos genes e
da variabilidade da espécie, 
e a maioria dos nossos traços são 
condenados e eleitos como
feios e insatisfatórios,
grandes ou gordos demais, tortos,
espaçados, manchados,
desde tenra idade já temos o veredicto
de que não fomos capazes de.
embora isso absolutamente 
nao esteja em nosso poder.
e aos poucos crescendo é que
compreendemos o que isso quer dizer.

e isso
diz 
gritando e batendo.

tampouco condiz com nossa tranquilidade,
essas mulheres bonitas nunca podem
relaxar, 
e se permitir viver para as outras coisas, 
sua beleza é um compromisso
e deve ser assumido
em tempo integral
exige manutenção e nunca
te deixa estar à vontade 
pois você precisa corresponder 
ao que traz na cara e no corpo,
e vestir-se bem e modelar os cabelos
e maquiar-se, ao menos às vezes,
e sair de casa para ser vista, 
e sempre tentar uma dieta nova
e arranjar um homem que mereça e aprecie essa lindeza 
e tirar fotos para provar que é linda.
que vive sua beleza
e que ela a faz feliz.

mas isso de ser linda que
te ensinaram
te deixa miserável. e é extenuante.
o fato é que, você não tem tempo
e nem mesmo vontade,
já que nunca preconizaram 
as outras inúmeras coisas que você poderia amar fazer 
te contaram que, como bonita,
não havia urgência em ser mais que isso
afinal você nunca receberia tanta atenção e prestígio por ser uma grande cientista
quanto por ser uma supermodelo.

e só assim 
você nunca seria ignorada.

aos poucos se nota que 
na verdade essa ditadura
tem por base o medo da solidão.

dizemos às meninas
e a nós mesmos
que um rosto bonito é 
a forma mais fácil de iniciar relações 
e preservar pessoas ao seu lado.
não sentamos com elas para explicar 
que é preciso ser gentil antes,
e que a auto confiança não vem de
você se sentir a garota mais gostosa do lugar,
mas da sua própria consciência sobre
o quão interessante você é,
no seu modo de ler e interpretar os ambientes
em como você torna seu corpo uma ferramenta de carícias 
quando próxima de pessoas que você ama
do que você dá risada sozinha
seus projetos megalomaníacos pro futuro 
e tudo o que você gostaria
que os outros soubessem
mas ainda não sabe como vir à tona
porque nunca se sente bonita o bastante

depois e só muito depois
que as orientarmos 
a amarem a ideia e a prática de si mesmas
podemos, é claro e enfim, confessar,
que essas pequenas e 
fantásticas meninas
são lindas.
mas não lindas como querem
a moda a mídia a indústria cosmética 
as clínicas de estética e todo capital sexista a mais
que nos empurra ao auto ódio 
e sim lindas em particular e por todas as cores, espontâneas e desescondidas, 
sem o esforço crítico de caber na definição social de perfeita
compassivas e admiradoras de si mesmas como
forma e substância.

no atual panorama
crucificar uma menina declarando-a
feia ou repugnante 
ou de alguma forma alheia ao padrão superestimado,
(uma vez que isso significa muito mais
do que apenas ser mesquinho julgando sua aparência, 
já que ela atravessa 
o sentido superficial que um dia possuiu)
acarreta uma série de consequências malignas
sobre sua auto aceitação 
e promove perdas irreparáveis 
de saúde física e psíquica 
de socialização 
de vida.

levamos uma vida
corrompida 
pela beleza.
a atividade física. a alimentação.
os procedimentos cirúrgicos.
as profissões, as amizades,
cada instante
de nossas fugazes
existências 
que objetivava saúde 
almeja agora
medidas não naturais de abdômen 
e milhares de likes.

divinizamos essa beleza
condicional e violenta
é isso o que se espera 
de uma mulher,
que ela obedeça o rigoroso
currículo de características arbitrárias 
fundamentadas por vezes 
no racismo e em outros
tipos de preconceito
e agimos como se sempre
tivesse sido assim
como se atrair o olhar de homens torpes
fosse mais importante
que se sentir confortável na própria pele.
aprovação.
precisamos ser aceitos
aplaudidos
e mesmo invejados 
até por inúmeros estranhos
para enfim acreditarmos
que temos valor.

porque somos
carência e insegurança. 
e ferimos a nós 
e aos outros
por não buscarmos ser senão 
carência 
e insegurança -

vaidosamente embrulhadas.

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