substantivo feminino 1. m.q. REPULSA.
Seja direto.
É porque eu não sou bonita?
Ou por que eu até seria mas a doença me impede, e me erode devagarinho qualquer encanto, como uma lepra suavizada?
É porque eu continuo perdendo minhas formas delgadas usuais dos últimos anos adolescentes? É porque eu fico óbvia de odiar meu corpo esparso? Minhas carnes rijas de tensão e mágoa, salgadas, ponto de brasa. Ou é essa curva de completa exaustão que permito que assuma minhas costas e meus lábios?
É porque minha boca é um naco de carne pálido indizível? É porque poderia ser mais pintada de vinho cosmético, tinta e ébria a escancarar voluptuosidades, deixando o ar também carmim?
É porque tenho frente ao mundo essa cara de enjoo geral e nada consegue me conceber um embrião do que é vivaz?
É porque tenho olheiras de roxos côncavos, quase uma cova dos olhos?
É porque suo indisciplinadamente sob sol tórrido ou chuva manancial, porque os nervos independem do clima, e eu sou sempre a besta me esvaindo no calor do pânico? ...empapando umas versões mais dignas de mim?
É porque eu passo os fins de semana resguardada em casa a ler franceses pedantes porque uma estúpida esquina é o suficiente pra me apavorar? É porque eu gaguejo mesmo dando bom dia?
É porque eu tenho essa vergonha de existir nessa carne e tento disfarça-la, poupa-la do vulgo? É porque evito expor essa pele e submete-la ao julgo, é porque tenho contornos tão largos que não cabem no cotidiano?
É porque nenhum lugar é meu?
É porque nenhum amor nunca foi meu e eu só roí os bocadinhos deixados?
É porque esse corpo virou um velório que sofre refração no popular e me retorna num estigma?
É porque eu vivo doendo, nesse latejo quente e inchado? É porque abro braços e me entrego generosamente à agonia, sem meios termos ou sensatez, zombando do sofrer modesto?
É porque eu sou uma figura tão apagada e discreta que nem mesmo um predador me notaria de imediato? É porque eu me censurei pensando a resignação como meu dever moral?
É porque sou mais patética tentando? Tentando ser parte de núcleo que seja, vazar o choro em companhia, aspirar forte o cheiro do contato - é porque esse sufoco já instaurado só se prolifera pra cada dimensão dessa carcaça, e eu elevo as patas à garganta querendo tanto só concluir a ansiedade e me esganar de uma vez por todas, já que esse sufoco. E essa solidão.
É porque eu confundo a pontuação dessa maneira e você pensa ridícula a possibilidade de me entender através de um esforço? É porque eu retorço minha linguagem assim, como um corpo envenenado?
É porque você me vê
como eu me vejo?
Ou é porque eu odeio
como você me vê?
Acho que eu acabo de ser
o que resta da terra arrasada
o depois dos estilhaços e da poeira de uma bomba
o lentíssimo deleite dos vermes em um banquete
de um rosto tão perto e colérico que, tecido a tecido é descosturado,
o perfume
que exala de ainda haver muita vida
depois da famigerada morte.
recepcionada por uma falange de parasitas necrófagos
grandes varejeiras e seu halo,
meus anjos.
Eu gostaria que vocês também tivessem me conhecido