22 de junho
foi preciso uma centena de dias para voltar aos primeiros.
é um tanto familiar essa euforia.
carece de sono, fome ou controle,
vivo apenas o impulso em sintonia, fidelíssimo ao Desejo
redescubro
o caminho que leva ao meu corpo
-- que é capaz de experienciar muito além de dor
e de ser consumido até fuligem --
e que é, curiosamente,
o mesmo trajeto que me aglutina ao seu
o toque volta a ser bem-vindo
(na verdade sou eu que o convido)
e a eliciar Vontade de existir no plural
ficamos a sós numa unidade (im)penetrável
os pontos do mundo voltam a se encaixar
através de nós
o certo e o errado são os mesmos de novo
-- os valores nos seus ninhos
eu percebo que
a saliva não mais incomoda
e que na verdade serve a propósitos
há muita coisa na minha boca além de só palavras --
não há vestígio de repulsa,
não me esquivo das investidas,
dessa vez eu tive um pequeno
improviso de noção de mim
e por isso mesmo em aposto, com você
me explicando por dentro
mesmo em colchetes,
com você contido em mim
eu sei que meu corpo me pertence
e por isso posso abandoná-lo capaz em ti
você não é coisa minha além do meu supremo desejo
e não temos qualquer compromisso a não ser com a verdade
retalho as suas costas
quando você acelera o ritmo
pode parecer vingança
mas você aprecia o resultado como quem carrega
uma medalha de guerra
o Amor é também
conhecer as respostas de um corpo
sem serem necessárias interrogações formais
fazer citações diretíssimas,
transitar pelo itinerário sabendo exatamente
como chegar ao marco-zero
-- reconhecer uma pressão no escuro
-- eu sei o que fazer pra deixar seus lábios
entreabertos
eu te ensino o que o silêncio me trouxe --
outro modo de usar a língua
e que podem haver mais dedos
sem que você aja cheio deles
você pode ser mais bruto nessas horas --
eu deixo,
pode abandonar na pele
marcas dessa natureza
elas contam uma cena que eu quero revisitar
no espelho
eu volto a achar bonito seu suor sob a luz negra,
arrasto por ele a língua e lembro
o que seus mamilos fazem contigo
noto até o modo como suas mãos te satisfazem
do meio até o final,
reconheço esse cheiro de trabalho-bem-feito
eu estou no lugar apropriado,
aqui eu caibo perfeitamente, apesar
dos questionamentos socráticos
mas parece simplesmente tão certo
quanto tomar o caminho pra casa
depois de um longo longo deserto
consegui deixar lá fora, na chuva,
a crise econômica, a medicação extra,
minha insônia aguda, os atos preparatórios
como uma cerimônia final
a confiança estilhaçada,
até mesmo as cicatrizes auto-infligidas
e as consequências horrendas de quando
abrirmos a porta outra vez
digo que tudo bem eu ser um pouco inconsequente
porque é por você
é a primeira vez em semanas
que eu não agonizo
e ninguém pode me julgar
por querer respirar compassado
eu contraio as pupilas
e outros locais-vértices
em êxtase
eu estou inteira, repleta --
você costura as abas escancaradas
com os dedos em ziguezague
e nenhum desses líquidos
é sangue
eu posso sentir teu pulso acelerado
ecoando no meu próprio peito
eu nunca mais vou ouvir Rammstein
se isso não funcionar
foi preciso uma centena de dias
pra recuperarmos essa energia
a sala hermeticamente fechada, nem uma nesga de ar,
você me disse que estão reformando e
há gentes logo do outro lado da porta,
o suor pinga do meu cabelo e borra o rímel,
mas você
disse que nunca me viu tão linda
você sabe o efeito que tem --
eu visto a calça displicentemente
e nos sentamos em público
sorrio discreto pra você como quem
guarda um segredo
prestes a ser revelado --
e é quando você escorre
por entre as minhas coxas
cruzadas