aborto
você tem palavras para gestos que não se encontram
e pronuncia muitos nomes
incongruentes com ações concretas
-- que não pertencem nem mesmo à mesma família
você mesmo desorienta. e se incomoda
quando nos perdemos
eu vou me culpar por não estar no meio da rua
e por ser capaz (e preferir) estar sozinha
ao invés de me meter em qualquer buraco com movimento
ao invés de meter em qualquer buraco em movimento
eu vou me culpar por me trancar
e tirar um tempo precioso apenas para questionamentos
e por tomar ações que não têm como objetivo
me trazer ninguém
por não forçar aparecer completamente imune,
por estar vulnerável em público
por não me esconder atrás de algum instrumento
você ainda é só um garoto
sem luvas em santa maria
acabando de descobrir que o pai morreu.
foi um longo caminho e
não te encontrei em canto nenhum enquanto voltava.
hoje é sábado
e você vivendo assim tão rápido
ocupando às tralhas os espaços que deixei por arrumar
(porque achei que voltaria) --
isso realmente me acaba.
você me conhecia o suficiente para saber
o que quer que seja
e nunca vai ler isso, você nunca nem
procurou pelo verbete de algum termo desconhecido
esperava que eu te educasse
te ditasse uma rotina
e te entregasse o café já adoçado
você nem ao menos me fitou os olhos
enquanto meu choro ficou no seu ombro
e depois, já no portão, você se irritou
porque supostamente eu choro demais.
mas agora eu entendo
porque você só focava nos meus peitos
e não sustentava meus olhos
graças a deus há sangue também
na minha calcinha
-- você não deixou nada vivo em mim