25 de junho

eu duvido que haja arrependimento genuíno 
a não ser pelas consequências sociais 
de não querer ter seus erros transitando pelas bocas
que cantam seus refrões 

eu duvido de cada palavra de consolo
porque a única prova que você me concedeu 
é que de nada elas valem

e também que você ainda tenha interesse e empenho
em constituir comigo algo além do que já existe
que você vá mais longe
do que o momento permite

que você não veja outras mulheres como alvos ambulantes
e que não queira realmente se ancorar nelas
-- manequins sem rosto --
pra amenizar seu mal-estar vital 

eu duvido que sua maneira de me querer não seja
como de um piromaníaco que precisa apagar os próprios incêndios 

e que você é de fato capaz 
de se gerenciar para não tropeçar nos próprios pés novamente

eu duvido de quando você tenta me elogiar
afirmando que não sou mulher pra passar por isso
porque deixa entrelinhas que existem aquelas que são

e que você não me amansa apenas 
para que eu não te morda outra vez

duvido que haja remorso pela dor provocada 
porque você tinha conhecimento suficiente para imaginar
o deslizamento que desencadearia
o que você conclui como escorregão pontual
-- e duvido que seja pontual 

duvido da veracidade do seu amor
porque ações concretas são irrefutáveis 
e você tem sim uma ótima lábia 
para manejar pessoas indefesas diante de paixão 

eu duvido que um dia isso se torne um passado superável 
e que a pele da cicatriz não será fina o bastante para se romper sucessivamente 

duvido que não haja intenção de me manter calada
e restrita aos seus propósitos 
mas também duvido que haja nisso um plano maligno
porque você não sabe mesmo prever seu próximo passo

duvido que não haja intenção 
de manejar as contingências para tornar o rastro imperceptível dessa vez
pra que eu não o descubra 
duvido que você não pense
que é possível mesmo me esconder 

que não haja uma outra, uma próxima 
ou que estejam falecidas suas vontades 
por corpos diferentes 
e por um ao-redor mais fácil e conveniente

duvido que você não me ache inerentemente complexa demais
e que não vou suscitar suas narrativas
sobre algo que simploriamente "não deu certo"
como um objetivo que pertenceu a ambos
porque você nunca pronuncia que a escolha foi só sua

mas eu me agarro insegura à miséria que tenho
porque é tudo que ainda se salva do que fomos
e vestígios são vestígios mas não deixam de ser algum conteúdo
um ruído longínquo de quando ríamos despreocupados
e parecia lógico alimentar sonhos 
te protagonizando 

duvido que eu não seja mesmo uma mulher
que se submete à própria anulação 
para ser afirmada apenas em teor de verossimilhança 

eu tenho outras visões 
sobre acontecimentos passados em que eu te provia
toda credibilidade possível 
e duvido que eu não estava apenas demasiado envolvida 

eu duvido que você não seja esse tipo de homem
porque, no final, você é um homem 
uma estaca pronta a me empalar 
e sua identidade social diz o bastante 
sobre mulheres como eu

e que não basta apenas desviar o olhar brevemente 
piscar quando a emoção teima em escorrer
para perder você de vista
quase por um ínfimo segundo
para que você torne a incorrer na mesma frequência 

duvido que não vá sofrer a taquicardia
quando estivermos em público outra vez
e que não vá me rasgar te assistir nos seus papéis sociais
que eu não vá escolher permanecer distante enquanto você cumprimenta outras
e que não anseie adivinhar 
como são suas interações 

duvido que não haverá mais assassinatos subjetivos 
e mais enlutamento jamais reconhecido
ou que eu não tenha novamente que romper contato
vivendo o mesmo ciclo infindo outra vez 
como um ioiô que você brinca despreocupadamente
duvido que eu não tenha esse teor lúdico pra você 

duvido que alguém um dia te ame tão irremediavelmente quanto eu
e te conheça em tantos minúsculos detalhes 
acredito que você saiba disso,
mas duvido que um amor mais raso
também não te será o bastante 

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