ainda em 26 de maio

se as palavras fossem navalhas

eu seria esse cadáver inchado empalidecido
com fatias arrancadas -- que já não sangram
dum acúmulo arroxeado onde toca o chão,
abandonado ao meio fio de uma rodovia 

displicentemente você as arremessa ao léu
-- mas penso: você não tem culpa de eu ser tão sensível 
e de não ter essa camada de pele regular 

eu as recebo e internalizo
é você que sabe das coisas
é você que bate o martelo
é você que tem a mente limpa
preservada dessa catástrofe epigenética 
que obnubila a realidade 

a última palavra é sempre sua
enquanto eu desejo assiduamente 
que as próximas sejam minhas últimas 
e que minha boca seja cimentada como uma masmorra,
um leprosário, uma lápide sem dedicatória 

que nunca mais nada meu possa ser usado contra mim

eu já te vi partir uma dezena de vezes.
há quando eu te observo entre o embaço de lágrimas discretas, 
e há quando eu me ponho de joelhos 
porque o corpo não sustenta o peso desse to and fro
há quando eu me encolho feito feto e deixo o baque me atingir, 
sustentando o grito entre os dentes -- 
-- posso morder o horror no ar --
e há quando me debato em convulsão, numa angústia eletrificada
e me juro rompendo cada instituição do eu

minha dinâmica orgânica perde o ritmo, como uma sinfonia sem maestro 
o sangue rompe o tráfego, e há essa pressão nos vasos, 
os órgãos fazem barulho
abre-se uma cratera no tórax e eu posso
realmente posso atravessar por ela meus dedos

não, ninguém pode fazer nada por mim
já estou irremediavelmente submersa e absorvida
fusionada com esse estado-limite 
não me posso remover de mim,
não há escape ou saída de emergência a não ser
a experiência inteiriça na fronteira 
até que o co(r)po esteja vazio

então começo a acreditar que você estave certo
e espontaneamente me condeno à pena capital 
atirando contra mim navalhas
como fossem elas as suas palavras

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