enucleação

passa de 1h da manhã, 
passa do breu completo
(o breu é tão denso que é além dele próprio)
não adiantam os olhos esbugalhados.
me reviro o corpo encolhido no quarto
forço os olhos a fecharem
as pálpebras protestam rangendo alto
-- mas lá estão vocês dois.

tão agarrados que o sangue de um é no outro bombeado,
tão agarrados que corrompem o centímetro quadrado 
tão agarrados que estão completos
faz mesmo seu "tipo" a mulher de rosto embaçado.

abro os olhos escuros num salto 
estou só -- é claro,
então o quarto está vazio
então estou como o quarto
então você tem alguém -- que não sou eu
aperto os olhos. não sou eu. 
repito. eu já entendi, mas contra a vontade o faço.
não sou eu --
quero arrancar meus olhos.
o que quer que eles façam é tudo sobre você, 
te pertencem, te caçam,
por isso devo, por trás do globo ocular,
um garfo.
você está até no breu, sempre completo,
mas há sim um lugar vago 
próximo à fronteira, um pequeno espaço 
que você preenche compulsoriamente
com alguma transeunte
e a transforma numa refugiada 
até que chamemos isso de casa.

tateando, engulo outro comprimido
desce como seda

lá fora deixou de ser,
virou algo só seu
também as ruas te pertencem
a rotina corre a teu favor
você mantém a luz acesa, 
o seu quarto é habitado
e você está para o seu quarto
como o olho arrancado para um garfo 

(rolou pelo chão do cômodo algo esférico,
mas já era muito tarde e escuro)

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