[hoje ela ganhou um nome]
hoje ela ganhou um nome
e a silhueta hipotética foi preenchida por um corpo
terrivelmente familiar.
há quanto tempo acontecia?
sou absorvida, pelas circunstâncias,
a conjecturar o teor erótico das conversas
e as intenções secretas ainda enquanto
você punha meu cabelo
atrás da orelha
há papéis diante de mim. eu sei
sei também que eu tenho uma caneta entre os dedos
mas os movimentos são estranhos, mecânicos
como os de um manequim
é óbvio que sei ler. no entanto,
embora decodifique as sílabas,
as frases nada significam. e quando pisco, as esqueço
estive nessa sala centenas de vezes
e só agora noto a presença das luzes no teto
uma garrafa de metal cai e eu espasmo
me pergunto se as pessoas
percebem o atônito nos meus olhos
me pergunto o que é que você via em mim
que de repente desapareceu.
isso tudo é visível?
como eu pareço enquanto desmorono?
uma gota faz cócegas no canto da boca
e cai sobre a mesa. é sangue.
só então tomo ciência que mastiguei os lábios.
preciso interromper isso --
preciso que pare --
cravo os dentes no antebraço
no chão do banheiro
saco o caco de vidro (carrego por segurança)
e rasgo a coxa como quem
disseca um anfíbio morto ou
solta lentamente o ar de um balão
para aliviar a pressão lá dentro.
meu braço adormece
e não me preocupo em esconder as provas.
eu preciso interromper isso --
eu preciso que pare --
escalo as escadas de emergência
os tons amarelados com faixas vermelhas
tremulam na visão
alcanço o último andar, é como sentisse
a presença de quem já esteve ali com o mesmo objetivo
e fez uma bagunça lá embaixo
eu choro daquele jeito ridículo
que fazem as mulheres traídas
tem sido um costume me pôr de joelhos
eu choro daquele jeito ridículo
que você detesta e confesso que há
um pequeno desejo em mim de ser escutada
e de que apareça alguém antes de
"essa é a vida real, gabriela
e nela não há nenhuma palavra de conforto"
é o que escuto pelo telefone
então realizo que
no topo dos prédios não há discursos românticos
não há qualquer um para garantir que te ama
ou que você é importante
ou que as coisas vão melhorar
você mesmo se põe de pé e limpa os joelhos
descobre como, com os próprios músculos, afastar-se das grades
não é por esperança
você não faz apenas porque deve essa vida a alguém
e nunca foi apenas sobre interromper isso
mas sobre uma agudeza bruta que por si expresse
o império maciço do
d e s e s p e r o
lá em cima o quanto eu te amo se evidencia
arranhando o céu
-- com minhas unhas na garganta --
como se
você tivesse mulheres como peças
mas uma delas estava
avariada
à beça