entre parênteses
só a estalar da mandíbula
me fez realizar
que eu rangia os dentes
você me procura outra vez
sempre sobre burocracias
de quem passa muito tempo dividindo a vida
mas, mesmo que seja só por isso,
eu me entrego às migalhas, auto-constrangida,
deixo você me enganar só por mais um instante
ainda é minha dose homeopática de vida
deitar os olhos em você outra vez
assinto o tempo todo,
compreensiva
não toco no assunto
você está aqui e isso é tudo
que eu posso pedir
você se cobre em lã --
estamos de novo a sós
suspensos nessa ilusão
-- entre parênteses
meu corpo volta a ficar quente
eu sinto outra vez minhas mãos e pés
e solto o ar lentamente --
eu sei o que você fez
acredite, eu soube o que você tem feito
mas existe um hiato, díspare
em que saber nunca é o bastante
um corpo apaixonado é assíduo ao toque
um corpo habituado reage sozinho
e ainda de pálpebras costuradas
toma o mesmo caminho
por mil dias percorrido
eu me calo
você me segue
cessam as farpas
eu estico meus braços, abro e fecho as mãos
como quem atrai um filhote arisco
absurdamente famélica pelo contato
-- eu preciso preciso disso --
me deixo dissolver no abraço,
não deveria, mas nem uma só sentença
mais se sustenta
imploro que o imbróglio fique do lado de fora
sublimado -- é só orvalho
entenda, eu torno a existir
enquanto inalo o que encontro de ti
com as unhas cravadas nas suas costas,
como quem se apega ao penhasco
e se ampara na própria queda
esfregando meu rosto na barba agora mais espessa
-- é o alívio magnífico que possui o corpo
imediatamente que a tortura cessa
como parasse de tremer em abstinência
ao te receber intravenoso
de repente não há nada ao redor
de repente não há nada fora do lugar
estamos nos conhecendo de novo e eu
acabei de te encontrar
só a ternura me inunda,
vazam meus olhos -- la petite mort
não, nada jamais aconteceu
não passou de um delírio a dois
até que você dá as costas
e eu tenho que segurar
as conjunções adversativas desabando
sucessivamente sobre mim
e o engasgo crônico não me deixa engolir
a saliva ou suas explicações alternativas
-- quanto amor e quanto horror que você veio
é como se você fosse a única forma de vida
que já conheci
e, sendo ateia, eu rezo devotíssima,
que você não leve consigo isso também