dos minúsculos elementos bioquímicos

dos minúsculos elementos bioquímicos --
dos mais irrisórios deles aos macro-sistemas --
das moléculas aos elementos figurados
dos axônios aos dendritos
dos neurotransmissores às fendas sinápticas
das organelas às células
dos hormônios à corrente sanguínea
dos tecidos e mucosas aos órgãos
dos meus intestinos e coração ao cérebro
a não mais tão plenos pulmões
dos músculos aos ossos
da minha língua aos globos oculares
da caixa torácica aos espasmos reflexos

do suor ao muco cervical fértil
das lágrimas ao gozo
que se derramam às fontes

dos cortes às cordas
do alto do prédio à gravidade do concreto

desde os átomos
até uma bomba milimetricamente arquitetada

esse corpo te ama
bioquímica e organicamente
de maneira irremediável

da traição às omissões
das mentiras às evidências
da desilusão à perda de referencial

da ansiedade à desregulação
da depressão à ira
da paixão reavivada ao sexo divino

dos detalhes mais íntimos como
saber o cheiro das suas coxas após o trabalho
aos mais públicos como
como seu suor parece resplandecer
sobre um palco

da tarde de uma quinta-feira
em que você veio à minha casa pedir suporte
à noite da mesma quinta
em que você transou e dormiu com ela

do quanto eu imploro para esquecer
mas a intensidade dos respondentes não permite

dos deuses aos demônios
dos céus aos purgatórios
das condenações aos infernos
da Terra ao sepulcro

dos poemas à censura
da verborragia ao silêncio supremo
do desejo do mais-que-perto
à prescrição do afastamento

da instabilidade à certeza
de que é você aquele que eu --

das coisas que digo e não fazem sentido
às que eu não digo porque
para mim você já não tem ouvidos

das lembranças imaculadas
à realidade presente obstruída

do sonho conjunto ao aborto
da criança idealizada que nunca foi concebida
e se nidou em coágulos nas minhas roupas

da minha frigidez à sua ereção por outro corpo
da minha distância física e desconhecimento
ao seu orgasmo no interior alheio
da minha agonia ao seu prazer
da minha urgência por respostas
à sua justificativa de "impulsividade"

da minha momentânea ausência 
à minha substituição
como um item qualquer na prateleira

dos fatos concretos ao meu
engano eufemista e auto inflingido
conscientemente

dos contatos que nunca saberei
às minhas conjecturas adoecedoras
que não devo compartilhar
e que você não pode me assegurar
que não passam de
conjecturas

dos valores que eu cultivo às minhas ações que se desviam deles

dos venenos ao benzodiazepínicos
da morte em vida ao automatismo moribundo
da ideação à preparação

da vergonha da fraqueza à aceitação
de que eu não existo se não estiver
acoplada a você como uma maldita
sanguessuga

esse corpo necessita de você
como neurônios, de glias
como recém-nascidos, de seios fartos
e olhos sensíveis

eu posso perguntar a cada célula
e elas dirão em uníssono seu nome
em coro, uma súplica
eu amo você com cada uma delas
não há uma só partícula desse corpo
que não implore por ti

e é exatamente por isso
que tenho que dar fim a ele como um todo
até não sobrar nenhuma história
sobre a mulher que você deixou de querer
e nem mesmo a contou

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