raised by wolves

ser devorada por lobos 
doeria menos 
do que por homens 

seria uma honra
a carnificina dos animais 
tidos, por especismo, irracionais
ser dilacerada fisicamente 
ter a pele visível rasgada a abocanhadas 
como se descasca um fruta suculenta --
não seria um risco --
eu não teria a necessidade de fugir --
eu nem protegeria o rosto
poderiam arrancar fora meus olhos
no êxtase de ter enfim
esse corpo destruído
por patas famélicas
e não por mãos com polegares opositores
não haveria ódio planejado
ou a indiferença ao sofrimento
que só o humano é capaz de exercer
apenas o instinto
a resposta da natureza que eu tanto
entendo e compartilho às vezes
não há animal mais letal
que o homem 
com sua ultraviolência relacional 
suas mentiras e esquivas acumuladas
como tumores em metástase 

seria uma honra me encerrar assim
e não recorrer a cordas ou venenos ou revólveres 
nenhum horror do desconhecido, apenas
o presente imediato
sem elencar prós e contras
abraçada pelas vísceras expostas 
sem necessidade de me defender, eu deixaria
eu alimentaria a fisiologia e não o prazer oculto
pela tortura misógina 
pela primeira vez, eu não sentiria medo algum 
me faria disponível 
sem a esperança doentia 
de que alguém se preocupasse
sem aguardar intervenções 
ou pequeníssimas demonstrações de cuidado
sem uma próxima inquisição, e mais outra,
e mais outra

mas, aos restos, aconteceria
de erguer com dificuldade o que era um braço
fratura exposta e músculos mastigados,
de afagar meu carrasco
assim como eu faço
compulsivamente, quase instintiva --
como um filhote maltratado --
com os homens que rosnam para mim

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