duas mulheres

você me uniu íntima
a outra mulher que eu nem conhecia 
nem mesmo usou uma barreira física.
abandonou seus genes em ambas
-- em atenção alternada
e com expressões de paixão como jargões,
vocalizou iguais palavras e sons.

como uma coreografia
que seu corpo nu segue à risca

agora somos duas mulheres
com um mesmo buraco 
(não esse que te atrai).
talvez choremos na mesma frequência
e nos odiemos mutuamente por não sermos
seu objeto exclusivo de amor.

duas mulheres distantes
que não se querem encontrar 
que não sabiam que contigo cruzar
era um caminho sem volta.
uma rua estéril, sem saída.
-- dead end

duas mulheres que se levarão vida afora
por uma escolha que só coube a você 
partilhando a mesma morte
e as cerimônias de luto
sem saber como te sepultar.

duas mulheres que se compararão
e procurarão em si
o que você não viu.

duas mulheres que a si julgarão 
com base na sua perspectiva
e seus crivos cruéis.

duas mulheres com os mesmos sintomas
despertas até a madrugada 
com os estômagos a revirar-se vazios
se acreditando as últimas solitárias.

duas mulheres com tanto em comum
inclusive a experiência e o trauma
mas que você fez questão de rivalizar
porque a partilha feminina te é ameaça.

duas mulheres que se pensam insuficientes
porque se definem através das suas condições 
já que seu gesto é como lei.
alienadas pela cultura masculina
de nos instrumentalizar em cardápio.

tentando encontrar brechas na história 
e alguma intenção sua que não soe tão mal
e realizando que enfim não é possível 

duas mulheres neuroatípicas
que farão uso de métodos prejudiciais
para se sobrepor à agonia.

duas mulheres que tentam te eximir da culpa 
responsabilizando uma à outra.

que vão imaginar como está sendo a sua vida
enquanto não conseguimos cumprir nossa rotina
de tão dilaceradas

duas mulheres que conheceram a mentira
através de você
e a sombras da verdade por meio unicamente de nós.

duas mulheres que se questionam o valor da vida
por não terem despertado valor o bastante
para pertencer a ti.

duas mulheres do avesso
com os órgãos expostos 
buscando segurar os intestinos 
com as próprias mãos trêmulas 

duas mulheres menosprezadas por você 
porque não existe prioridade outra
a não ser o teu prazer.

duas mulheres tornando-se mulheres
através da sina de sofrimento relacional
que os homens põem em prática 
como algo terrivelmente natural.

duas mulheres que só sabem algo uma da outra
através das suas descrições enviesadas

duas mulheres obcecadas pela ideia de amor romântico
como uma necessidade fisiológica não atendida.

sob o signo da rejeição 
transformadas em coisas
disponíveis e passíveis de serem tomadas
e bagunçadas nesse cenário de escambo

mas você sai de nós duas invicto, caminhando 
retilíneo 
e isso que qualquer uma descreveria como ódio 
é o que te faz vociferar, simultaneamente,
"eu te amo" 

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