último
está tudo bem -- nos conformes
finalmente entendi o que tenho de fazer.
seria o destino se nele eu acreditasse
a ideia se finca clarificada num insight
essa única decisão possível
algo tão óbvio --
[13/7 22:29] gabriela castillo: pode ficar comigo alguns minutos?
digo a você que
alugaríamos um minúsculo apartamento próximo a uma avenida
eu me graduaria e encontraria um bom emprego
e os boletos seriam enfim só um detalhe desconfortável
nós teríamos nos casado no civil primeiro
e mais tarde juntaríamos uma quantia
para uma festa simples
é ingênuo e supérfluo, mas eu gostaria de um longo vestido branco.
tento ignorar que semanas atrás
você disse que não casaria comigo na igreja por eu ser ateia
eu não sei te explicar, mas eu realmente amaria
esses ritos com você
-- eu ainda tenho algumas horas --
tinha certeza que certas experiências vitais seriam contigo
te comunicar uma gestação tão idealizada
descobrir como você seria como pai
pondo tears for fears para o feto escutar
nós tínhamos alguns nomes -- johann, heloíse e lótus
-- desculpe por tentar te pedir algo há pouco --
fumo meu último cigarro e,
a partir da nossa última conversa,
desenho meu último poema
não é sobre você, não se preocupe,
não é do jeito que você pensa
não precisa me odiar
na verdade, quero contar sobre o que ouvi numa palestra
que "desistir é fácil"
mas o "desistir" que falam não se trata
tão reducionista quanto um ato pontual
que flui e se executa de forma simplória
é um processo que leva um bocado de tempo
e extensas listas prós e contras
me esforçando para reconhecer quaisquer motivos
que me convençam do oposto
-- acredite, eu tentei --
realizar que as consequências, ainda terríveis,
são definitivamente menos piores
do que prosseguir nessa mesma dinâmica
da qual não há outra saída
a não ser realizá-lo de maneira informada
e antes, já se instalou extrema intempérie
em que os destroços constituem o corpo
este só matéria acumulada resíduos sólidos
cuja missão de devidamente descartá-los
cabe a mim
foram anos a pesquisar e me dedicar
aos métodos mais viáveis e indolores quanto possível
contatos com revendedores clandestinos de substâncias proibidas
planos elaboradíssimos que eliciam certa segurança
saber apenas que há, sim, uma alternativa --
-- não macular tanto o corpo
para que o caixão esteja aberto
e minha mãe possa chorar sobre mim
dar-lhe a oportunidade de se despedir adequadamente --
não há nada de "fácil",
a pré-administração custa excessivos pânico e terror
imaginar o que está por vir
em dúvidas colossais sobre a metafísica
temer sobremaneira que algo da consciência perdure
sabe-se os efeitos quaisquer que sejam os métodos
mas é claro que sempre há relevante componente de dor
mas essa dor eu aceito de bom grado, em troca
do sofrimento de não ser dela refém continuamente, mas sim
em derradeiro episódio
a natureza tende a te manipular
exercendo seu dever de autopreservação
imagine seu corpo polifônico que se recusa a ceder
e, ao mesmo tempo, por favor pelo amor de deus, faça-o
está decidido, está feito
mas ainda há o horror supremo no progresso
enquanto se aguarda --
ponha para dentro
flua como mel na garganta
e dê a si a conclusão que esses bastardos internos
imploram
e se pensa
porra, então é isso --
[13/7 22:47] gabriela castillo: pode orar comigo?
[13/7 22:48] gabriela castillo: como começa?
[13/7 22:48] gabriela castillo: senhor?
eu peço que ele me receba
mas queria pedir que você me ame
e encontremos uma maneira de voltar ao início
johann, eu amaria
ter sentido você se complexificar em mim a cada fase
ser tua fonte, mas você sim -- de onde brota a vida
eu amaria você, assim como
a dor lancinante das contrações e
que você houvesse nascido
banhado do meu sangue, dessa vez puro,
te sustentar o irrisório peso pela primeira vez
te nutrir comigo, direto do peito
que então não se constringiria em agonia
a pele a pele que formei
cheirar seu rostinho de ventre
ser aquela a quem você busca no choro agudo
e que sabe te acalentar
e nunca permitir condições
que te levassem a sentir o que sinto
johann, você existiu pra mim
e eu abandono a sua ideia
porque ela agora é só uma memória
e logo abandono a mim
pelo mesmíssimo motivo
no telefone, você me pede calma
mas estou realmente muito contida
resoluta como só nas decisões mais lógicas
como ciente do que é preciso fazer
conectada ao que sempre acreditei
cumprindo jus a mim mesma
você me pede um banho
mas seria apenas para preparar o corpo
como um necropsista
e não dar tanto trabalho para quem fica
ou para assistir uma série
ainda não entende que a atenção
não se desvia um único instante
a verdade dura
a qual não quero admitir pois fere
minha condição de mulher e meus valores
é que eu não consigo
nem quero
seguir sem você
e te assistir avançar imune
mãe, não haverá mais
bitucas de cigarro espalhadas pelo quintal
lamento pela bagunça e pelo silêncio que deixei
eu realmente não posso mais estar aqui --
se puder, apenas se possível,
não me deixe desvanecer na sua lembrança
e busque as fotografias quando meus traços
se embaçarem em ti com o passar dos anos
mas tudo isso, tenha certeza,
já estava escrito